São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2008

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Vereadora alega pobreza para não pagar taxa

Myryam Athie assinou declaração de pobreza para não pagar tributo de R$ 251,10 em cemitério; assessor diz desconhecer documento

Vereadora de SP tem patrimônio de quase R$ 500 mil; serviço funerário diz que irá analisar as providências legais cabíveis

CONRADO CORSALETTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Com patrimônio de quase R$ 440 mil, a vereadora Myryam Athie (PDT) assinou, em junho deste ano, uma declaração de pobreza para não pagar a taxa de R$ 251,10 cobrada pela exumação do corpo de um familiar no cemitério da Quarta Parada, zona leste de São Paulo.
No documento, que se encontra nos arquivos do Serviço Funerário Municipal e ao qual a Folha teve acesso, a vereadora declara "não ter condições financeiras de arcar com o preço público" e se diz ciente de sua "responsabilidade civil e criminal" no caso de falsidade.
Procurada desde o início da tarde de anteontem, ela não respondeu aos pedidos de entrevista da Folha. O chefe-de-gabinete da vereadora, Leandro Albuquerque Gimenez, afirmou ter conversado com ela, por telefone, na manhã de ontem. Nesse diálogo, segundo o relato de Gimenez, ela disse desconhecer a existência do documento (leia texto abaixo).
Em seu terceiro mandato na Câmara Municipal, Athie não conseguiu manter a cadeira para a próxima legislatura, a partir do ano que vem. Com 28.864 votos, obteve a primeira suplência. Ela assumirá apenas se o vereador reeleito Cláudio Prado (PDT) deixar o posto.
Na lista de bens de Athie, enviada ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) antes da eleição, constam, entre outras posses, três imóveis, dois carros e R$ 38.500 em dinheiro. O patrimônio total é de R$ 433.700.
O salário de um parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo é de R$ 9.000 brutos.
Athie já afirmou ser freqüentadora do consultório de estética de Ligia Kogos, dermatologista que tem longa lista de políticos entre seus clientes e cobra R$ 400 por consulta.
Ao assinar o atestado de pobreza, a vereadora se beneficiou de uma lei municipal de 2007, que tem como objetivo isentar pessoas carentes de taxas dos cemitérios municipais.
A lei (nº 14.268/07) dispensa a necessidade de o atendente checar as informações, sendo necessário apenas a declaração do beneficiário. O serviço funerário informou que o caso será submetido à sua assessoria jurídica "para análise das providências legais cabíveis".
Segundo dados da administração municipal, desde a promulgação da nova legislação foram realizadas, até setembro, 358 exumações gratuitas.
O dinheiro da taxa que Athie deixou de pagar é usado, segundo a prefeitura, "na manutenção e na renovação das instalações, máquinas e equipamentos, bem como no custeio das despesas de operação".
As taxas variam de acordo com o cemitério. O cemitério da Quarta Parada, onde Athie exumou o parente de graça, é considerado de "elite", segundo definição dos próprios funcionários. Trata-se de um terreno com cerca de 35 mil túmulos construídos.
A exumação do familiar de Athie foi feita para que o corpo de um outro parente da vereadora, que morreu em junho, pudesse ocupar o espaço de uma das gavetas do túmulo. Normalmente, quando um túmulo já está com todas as gavetas ocupadas, os restos mortais mais antigos são retirados do caixão e postos num recipiente para que o espaço seja usado por outro caixão.

Questão moral
Apesar de ter bens e assinar o atestado de pobreza, Athie não deve ter problemas com a Justiça, segundo o advogado Roberto Delmanto.
Questionado sobre as conseqüências do ato, ele afirmou que o documento é só uma declaração, "não vale por si só", pois as informações nele contidas estão sujeitas à comprovação. "O ato pode ser reprovável do ponto de vista moral ou ético, mas não configura crime. Existem decisões no Tribunal de Justiça nesse sentido."


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