|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ódio a pichadores me deixou tanto tempo presa, afirma jovem
Caroline Pivetta da Mota, 24, ficou 54 dias detida por pichar a parede do "andar vazio" da Bienal de São Paulo
Única presa na ação,
garota diz que raiva da sociedade é causada pelas "malditas pessoas que picham um muro branco"
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Caroline Pivetta da Mota, 24,
ganhou ontem a liberdade, depois de 54 dias de prisão. Ela
chegou a chorar ao se despedir
da condenada por assalto a mão
armada com quem dividiu uma
cela na Penitenciária Feminina
de Santana (zona norte de São
Paulo). Saiu com uma micose
que lhe provoca coceiras pelo
corpo todo, "culpa da sujeira
daquele lugar", e com a convicção de que sua prisão prolongada foi decorrência do ódio que a
sociedade dedica aos pichadores, causado pelas "malditas
pessoas que picham um muro
branco". Como é que é?
Caroline, 20 tatuagens espalhadas pelo corpo, incluindo
uma caveira entre os seios,
piercing no nariz e na língua,
baixinha, 1,55 metro, cabelos
vermelhos, sobrancelhas recém-depiladas e risonha de felicidade ontem, foi um dos 40
jovens que, no dia 26 de outubro, picharam o andar vazio do
prédio projetado por Oscar
Niemeyer no parque Ibirapuera, onde acontecia a 28ª Bienal
Internacional de São Paulo. Ela
foi a única presa.
Caroline diz que foi agarrada
pelos seguranças, jogada ao
chão, xingada. Novata no mundo da pichação, a garota chegou
a ser apresentada como liderança do grupo. Ela nega: "Eu
só fiquei sabendo da ação na
quinta-feira, três dias antes".
O advogado Augusto de Arruda Botelho Neto, que assumiu o
caso da jovem, diz que ela foi vítima de um "equívoco".
"Nem o Fernandinho Beira-Mar, se fosse pego pichando
um muro, receberia a pena que
ela já recebeu. O Ministério Público denunciou a Caroline pelo crime de destruição de um
bem protegido por lei, quando
deveria tê-la denunciado pelo
crime ambiental de pichação.
Já seria um erro. Há mais.
Também não se aplica a "destruição". O muro pichado por
ela foi pintado e continua lá.
Não houve destruição nenhuma." [Leia nesta página texto
com pareceres de outros advogados sobre o caso].
Para Carol Sustos, como é conhecida entre seus camaradas
de spray, a pichação na Bienal
tinha o objetivo de "chamar a
atenção para esta arte marginal". Ela provoca: "Por que é
que se aceita que uma pessoa
exibindo-se nua [refere-se ao
artista Maurício Ianês] seja
uma forma de arte e uma parede com algumas letras e siglas
não possa ser?"
Aristocrata
Carol Sustos é uma legítima
representante da aristocracia
dos pichadores, os que atacam
prédios (quanto mais altos, melhor), admirados por seus pares
pela coragem e ousadia. Como
tal, nutre uma espécie de desprezo pelos pichadores do
chão. "Eu detestaria que alguém fosse lá pichar a parede
da minha casa. Se eu quisesse
um muro sem qualquer cuidado, eu teria deixado sem qualquer cuidado. Mas não, eu pintei de branco. É lógico que vou
ficar com raiva se alguém descaracterizá-lo", surpreende.
Para a garota, rara representante feminina na categoria dos
pichadores, o encanto da pichação de prédios (ela admite o
ataque a 37) vai muito além do
registro com spray naquela caligrafia peculiar.
"Eu gostava da dissimulação.
De passar pela portaria, o porteiro me perguntar onde eu
iria, eu despistá-lo e entrar, subir até o ponto mais alto, abrir a
porta ou a janela e, lá em cima,
olhar o céu, sentir o vento, ver a
cidade de longe, em paz e em silêncio. É lindo. Deixava a minha vida muito mais contente",
diz a pichadora.
Ela terá de deixar essa beleza
de lado. Sabe que, se pichar,
volta para a cadeia, o que não
quer. Vegetariana por compaixão dos animais, Carol sofreu
com a dieta da cadeia. "Tu sabes, a comida lá era triste", diz.
"Aliás, aquele lugar inteiro era
muito triste, 3.000 mulheres
que não têm direito nem a um
ginecologista; baratas, mofos e
ratos por todos os lados."
Carol chegou a participar de
uma "rebelião pacífica" com
suas colegas de cana. Naquele
dia, nenhuma presa trabalhou,
ou comeu. Ficou todo mundo
fora das celas até as 23h. O protesto foi pela melhoria, entre
outras coisas, da alimentação.
Ontem à tarde a jovem ainda
não sabia onde dormiria. Durante a prisão, ela perdeu o apê
em que morava, por falta de pagamento do aluguel.
Sem um real no bolso, Carol
quer retomar o trabalho como
artesã e morar no centro da cidade. Por enquanto, jura, ficará
longe das latinhas de spray.
Texto Anterior: Saúde: Temporão diz que modelo de hospital público está falido Próximo Texto: Repercussão: Prisão mobilizou mundo das artes e dos direitos humanos Índice
|