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Justiça usa sala lúdica para ouvir crianças
No RS, método utiliza área com brinquedos para colher depoimentos de meninos e meninas vítimas de abuso sexual
Sem a presença do acusado, como acontece em uma audiência convencional, a criança se sente mais segura para contar a experiência
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Uma sala decorada com motivos infantis e repleta de brinquedos foi o cenário encontrado pela Justiça do Rio Grande
do Sul para ouvir crianças vítimas de abuso sexual.
A estratégia, introduzida há
três anos, já fez com que 59%
dos acusados de praticar o crime fossem condenados.
Batizado de "Depoimento
sem dano", o programa conta
com psicólogos e assistentes
sociais que ficam com a criança
na sala para ouvi-la.
Sem a presença do acusado,
como ocorre em uma audiência
convencional, a criança tende a
se sentir mais segura para contar a experiência. A conversa é
gravada em CD, anexado ao
processo como se fosse um documento escrito.
O responsável pelo programa
é o juiz José Antônio Daltoé
Cezar, 46, titular do Segundo
Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Porto Alegre.
Formado em direito pela
UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), Cezar é
pós-graduado em direito da infância e da juventude pela Escola Superior do Ministério Público. Recebeu menção honrosa do Prêmio Innovare (promovido pela Fundação Getúlio
Vargas) pelo projeto.
"O objetivo é proteger a
criança. Tirar a necessidade do
dano ao falar de frente com o
réu de um tema traumático",
disse o juiz.
Segundo ele, 600 inquirições
do tipo já foram realizadas com
crianças vítimas de abusos.
Depoimentos
A Folha teve acesso a três
depoimentos. Em todos, as
crianças começam a conversa
calmamente com o adulto, sentadas no chão em meio a almofadas, carrinhos, bonecos e ursinhos. Quando começam a falar dos abusos, choram.
Em um dos casos, um menino de seis anos, abusado por
um vizinho, usou bonecos para
descrever a cena.
Há casos em que a criança se
utiliza de fantoches existentes
na sala, que fica no décimo andar do Fórum Central.
Antes do programa, a criança
era ouvida em uma audiência
normal, como um adulto, diante de um juiz, de um promotor,
do réu e do advogado.
O "Depoimento sem dano"
dura de 20 a 30 minutos, em
média. Ocorre normalmente
em meio à audiência, mas na
sala, que é separada. O juiz pode pedir, então, que o psicólogo
ou o assistente social façam alguma pergunta específica.
Uma das preocupações do
profissional que ouve a criança
é tirar dela um eventual sentimento de culpa, já que muitas
vezes o acusado é o próprio pai
ou o padrasto e a criança se
sente responsável por problemas no relacionamento afetivo
da mãe.
Um programa semelhante ao
adotado em Porto Alegre já virou lei na Argentina e é usado
na Espanha e na França.
"São formas de facilitar a expressão de uma situação traumática. É importante a criança
estar com especialistas em um
ambiente favorável", afirmou o
psiquiatra Victor Mardini, que
trabalha com crianças e adolescentes no Hospital das Clínicas
de Porto Alegre.
De acordo com ele, a gravação é mais um recurso positivo
para a criança. "A gravação do
depoimento, também [é favorável], para evitar a repetição
do relato do trauma. É um
avanço", diz o psiquiatra.
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