São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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Justiça usa sala lúdica para ouvir crianças

No RS, método utiliza área com brinquedos para colher depoimentos de meninos e meninas vítimas de abuso sexual

Sem a presença do acusado, como acontece em uma audiência convencional, a criança se sente mais segura para contar a experiência


LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

Uma sala decorada com motivos infantis e repleta de brinquedos foi o cenário encontrado pela Justiça do Rio Grande do Sul para ouvir crianças vítimas de abuso sexual.
A estratégia, introduzida há três anos, já fez com que 59% dos acusados de praticar o crime fossem condenados.
Batizado de "Depoimento sem dano", o programa conta com psicólogos e assistentes sociais que ficam com a criança na sala para ouvi-la.
Sem a presença do acusado, como ocorre em uma audiência convencional, a criança tende a se sentir mais segura para contar a experiência. A conversa é gravada em CD, anexado ao processo como se fosse um documento escrito.
O responsável pelo programa é o juiz José Antônio Daltoé Cezar, 46, titular do Segundo Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre.
Formado em direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Cezar é pós-graduado em direito da infância e da juventude pela Escola Superior do Ministério Público. Recebeu menção honrosa do Prêmio Innovare (promovido pela Fundação Getúlio Vargas) pelo projeto.
"O objetivo é proteger a criança. Tirar a necessidade do dano ao falar de frente com o réu de um tema traumático", disse o juiz.
Segundo ele, 600 inquirições do tipo já foram realizadas com crianças vítimas de abusos.

Depoimentos
A Folha teve acesso a três depoimentos. Em todos, as crianças começam a conversa calmamente com o adulto, sentadas no chão em meio a almofadas, carrinhos, bonecos e ursinhos. Quando começam a falar dos abusos, choram.
Em um dos casos, um menino de seis anos, abusado por um vizinho, usou bonecos para descrever a cena.
Há casos em que a criança se utiliza de fantoches existentes na sala, que fica no décimo andar do Fórum Central.
Antes do programa, a criança era ouvida em uma audiência normal, como um adulto, diante de um juiz, de um promotor, do réu e do advogado.
O "Depoimento sem dano" dura de 20 a 30 minutos, em média. Ocorre normalmente em meio à audiência, mas na sala, que é separada. O juiz pode pedir, então, que o psicólogo ou o assistente social façam alguma pergunta específica.
Uma das preocupações do profissional que ouve a criança é tirar dela um eventual sentimento de culpa, já que muitas vezes o acusado é o próprio pai ou o padrasto e a criança se sente responsável por problemas no relacionamento afetivo da mãe.
Um programa semelhante ao adotado em Porto Alegre já virou lei na Argentina e é usado na Espanha e na França.
"São formas de facilitar a expressão de uma situação traumática. É importante a criança estar com especialistas em um ambiente favorável", afirmou o psiquiatra Victor Mardini, que trabalha com crianças e adolescentes no Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
De acordo com ele, a gravação é mais um recurso positivo para a criança. "A gravação do depoimento, também [é favorável], para evitar a repetição do relato do trauma. É um avanço", diz o psiquiatra.


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