|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Homem morre após esperar 120 h por UTI
Motorista de 48 anos havia dado entrada no PS de Perus (extremo norte de SP) no domingo como sintomas de infarto
Menina com traumatismo craniano passou a noite com sacos plásticos nas orelhas para recolher o sangue que escorria-lhe dos ouvidos
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ontem às 21h45, 120 horas
depois de dar entrada no Pronto Socorro Municipal de Perus
com sintomas de infarto, o motorista Luiz Emilio Bride, 48,
morreu. Todas as suas últimas
horas de vida, menos a final, ele
passou em uma sala da emergência do PS, separada apenas
por uma porta de vaivém do saguão do prédio, que está em
obras. Os familiares do motorista pediam desde o domingo a
transferência dele para uma
UTI, em qualquer hospital.
Bride, que foi levado ao PS
depois de um desmaio, entrou
falando. Foi piorando, acabou
entubado, e só no início da tarde de ontem teve sua remoção
autorizada para os cuidados intensivos do Hospital do Ipiranga. No caminho, ele começou a
morrer. Ainda tentaram ressuscitá-lo no Pronto Socorro de
Santana. Mas foi tarde demais.
Na quinta-feira, às 15h, o PS
de Perus autorizou a visita, "um
por um" de todos os parentes
de Bride que lá estavam aguardando providências. Por volta
do meio-dia, ele sofrera uma
parada cardiorrespiratória, da
qual conseguiu voltar. Estava
inconsciente. Como não era
mais hora de visita, os familiares entenderam que o médico
já estava providenciando a
"despedida". Desesperada, a filha Gislaine pediu aos prantos a
remoção para uma UTI. Ouviu
do clínico: "Seu pai não tem
mais jeito. Acabou."
"Isso aqui é um matadouro",
acusou a dona de casa Andressa
Nanni, 33, mãe de uma menina
de nove anos. A criança estava
com dor de garganta e dor de
cabeça. Saiu sem ser atendida
porque não havia nem sequer
um pediatra no plantão. "Esse
PS é a única base de saúde que
a gente tem no bairro, e ele é
um lixo", afirmou ela.
Na noite de quinta-feira, as
cerca de 20 pessoas que esperavam ser atendidas no PS de Perus se comoviam com o caso da
menina Vitória Açucena Sarambelli, 8. A criança caiu da bicicleta, fraturou o maxilar em
três pontos, quebrou dentes. O
acidente aconteceu às 14h. A
menina foi levada para o PS,
que a enviou ao Hospital Estadual do Mandaqui. Diagnóstico: traumatismo craniano.
Mas o Hospital do Mandaqui,
em vez de atender a menina,
devolveu-a ao PS. Ela passou
toda a noite em uma sala com a
luz apagada, para ver se conseguia dormir. Como cuidados,
apenas dois sacos plásticos colados nas orelhas (para recolher o sangue que escorria-lhe
dos dois ouvidos) e analgésico
por via venosa.
Ontem, desfigurada pelo inchaço total da cabeça que a impedia até de abrir os olhos, Vitoria foi de novo enviada ao
Mandaqui. Às 22h, ela chorava
de dor. Não conseguia se alimentar por causa dos ferimentos. Sua última refeição foi no
almoço de quinta-feira.
Quando a reportagem da Folha chegou ao Pronto Socorro,
na noite de quinta-feira, oito
pais e mães carregando seus filhos no colo estavam parados
na frente do prédio. Discutiam
o que fazer, já que o médico que
estava no local, um clínico, recusara-se a atender as crianças
doentes. Não havia pediatra no
PS. Vivian Cunha Lacerda, mãe
de Leonardo, 4, 38C de febre,
sem comer desde a véspera, pediu ao médico: "Pelo menos
olha a garganta dele." "Ele me
disse que não ia pôr a mão no
Leonardo porque não é pediatra", disse a mãe. Depois de 40
minutos de espera pelo ônibus,
ela voltou para casa. "Olha como ele está quentinho", pediu.
Texto Anterior: Sabesp admite falha e anuncia obras Próximo Texto: Atendimento foi correto, diz secretaria Índice
|