São Paulo, terça, 21 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO
Rap do big brother

JACOB PINHEIRO GOLDBERG

Walter Benjamin escreveu que, "como existem muitos caminhos, estamos sempre na encruzilhada". A permissão da liberdade é um distintivo da modernidade. Que, por definição, é o contrário da "mudernidade".
Mas, infelizmente, é a Esparta de araque, triunfal e arrogante, que se antecipa. Na escola, o medíocre, professor ou aluno, instaura sua Ordem. A mesma Ordem da Força (em maiúsculo, mesmo) que leva o motoboy a invadir a calçada, tirar "fina" da criança e achar graça. Acha graça daquela Graça, expulsa dos espaços ingênuos do sonho político de um país vivível.
Na saúde, a avacalhação pública e privada em que o paciente fica entre consumido e consumidor, mas nunca tem a dignidade (que coisa velha, sem globalidade); o sofrimento que demanda solidariedade, antes de remédio.
Na rua, o trânsito enlouquecido, perfil da ansiedade que corre em direção a lugar nenhum. Já que, no conceito de Castañeda, tudo caminha para o mesmo destino, o de hoje é o desemprego fatal.
Mas orgulhoso, arrebentando, brother, xingando, gritando, balançando na TV boçal, o arreganho no deboche de si mesmo, do mundo e do imundo. OK (com sotaque de Miami), mas e a contrapartida? O "flaneur", o Vagabundo (em maiúsculas): o que vaga-o-mundo, damas e cavalheiros de toda a Terra. O excluído, pataxó, padre missionário, sem-terra, professora, negro, branco, heterossexual, homossexual, assexuado, a gente comum que pensa e sente, exilada por Atenas.
Diz a ciência mais avançada que talvez (sempre a dúvida dos que duvidam) a Ordem seja desordeira, teoria do caos. E que a disciplina corresponda à paranóia, necessidade de adivinhar uma organização que inexiste.
O metabolismo do provérbio árabe -"o homem não é a mão que lança a flecha, mas a flecha que foi lançada". Maktub. Precisamos aprender a conviver na maleabilidade, sem molecagem.
Um coro (e a figura grega se impõe) indaga, do suburbano ao aristocrata, se este Brasil tem jeito, uma forma singular de responder ao crônico e ao crítico de todas as nossas dificuldades. Que a resposta não virá das instituições, já sabemos. Estamos cientes de que não tem eco na triste imagética dum passado irresponsável.
Mas quem sabe um tímido duelo "cucaracha versus caubói" pode prometer. Principalmente se a vitória couber a um Quixote, assistido pelo Macunaíma, o herói sem caráter.


Jacob Pinheiro Goldberg, 64, advogado e assistente social, é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie e autor de "Historic Invention and Psychological Understanding of Jesus".

E-mail: goldberg@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.