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SEGURANÇA
Religioso ficou abalado após polícia achar, em 2002, arma, cocaína e crack do tráfico no forro da capela do Jardim Brasil
Padre diz ter sido enganado por traficantes
DA REPORTAGEM LOCAL
Se alguns moradores do Jardim
Brasil tentam esquecer o episódio
no qual policiais militares fizeram
uma busca na capela São Judas
Tadeu, em abril de 2002, o padre
José Arnaldo Juliano dos Santos,
53, faz questão de lembrar e não
esconde sua mágoa. Para ele,
aqueles momentos foram de "humilhação" e "traição".
No forro da capela, foram encontrados um carregador e nove
cartuchos para fuzil, 136 papelotes de cocaína, 64 de pasta da mesma droga e torrões de pedras de
crack. O esconderijo foi revelado
por uma denúncia anônima.
O padre foi levado para o 73º DP
(Jaçanã) para prestar depoimento
e depois foi liberado. A investigação policial o inocentou de qualquer suspeita. Mas ele ainda não
se esqueceu do episódio.
"Foi uma traição tremenda que
também causou uma apatia tremenda. A comunidade [religiosa]
não foi mais a mesma", definiu
Santos. "Eu fiz de tudo para reintegrá-los [os traficantes] e, de repente, eles vêm esconder droga na
minha casa? Puxa vida. Você trabalha dez anos por aquele povo e,
de repente, vem um fato como esse. A própria comunidade começou a repensar o trabalho que ela
fazia", desabafa o religioso.
Ele afirma que se sentiu traído
principalmente por causa dos dez
anos que dedicou à comunidade.
Nesse período, implantou cursos
de alfabetização de adultos e de
informática e passou a distribuir
cestas básicas.
"Depois do caso, eu olhava o teto e pensava: "aqui eu dava a benção e em cima tinha droga". Eu me
sentia com raiva por causa do
sentimento de impotência de saber que, se fizesse alguma coisa,
iria colocar a minha vida em jogo", afirma o padre.
Santos diz que se sentiu humilhado ao ser levado para a delegacia, mesmo sendo apenas para
prestar esclarecimentos.
"Justamente eu, que sempre critiquei os traficantes em meus sermões, apesar de eles estarem presentes", lembrou.
Em suas falas, ele costumava
sempre repetir que ali a vida valia
R$ 2 -valor de uma dívida pela
qual um adolescente foi assassinado por outro traficante anos
atrás. "Tentava, com isso, dar
consciência do valor da vida."
Apesar das críticas, Santos diz
que nunca recebeu ameaças de
morte dos traficantes. Ele também não acredita que tenha sido
vítima de retaliação.
Segundo o religioso, traficantes
da localidade mandaram avisar,
por intermédio de moradores,
que o forro da capela foi usado como esconderijo por um traficante
que chegara há pouco na favela
próxima e que já tinha abandonado o bairro porque poderia ser
morto. A denúncia anônima teria
partido de um traficante rival.
O padre deixou a comunidade
nove meses depois. Os cursos
continuam, mas a participação
diminuiu com a saída de Santos.
Apesar da experiência, ele disse
que não se sente derrotado.
"Hoje eu entendo melhor as
questões sociais que levam ao tráfico e, de uma outra maneira [ele
não deve voltar àquela paróquia],
vou continuar combatendo esse
tipo de crime, se Deus quiser",
afirmou o padre.
(GILMAR PENTEADO)
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