|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EDUCAÇÃO
Howard Gardner, que está no Brasil, vai além da inteligência emocional e faz críticas a autor de best seller
Autor explica teoria das 7 inteligências
FERNANDO ROSSETTI
da Reportagem Local
A inteligência emocional -que
dá título a um livro que virou best
seller no mundo- é apenas uma
de sete inteligências descritas pelo
educador e psicólogo da Universidade Harvard, dos EUA, Howard
Gardner, 54.
Além da inteligência emocional
-que Gardner chama de intrapessoal ou, simplesmente, pessoal-,
os seres humanos têm também as
inteligências lógico-matemática
(como a de um cientista), linguística (como a de um poeta), espacial (um piloto de avião ou escultor), musical (de um compositor),
corporal-cinestésica (de Pelé) e interpessoal (de um professor).
Essa classificação, chamada de
Teoria das Inteligências Múltiplas,
foi montada no início da década
passada e vem tendo repercussões
na forma como os pais criam suas
crianças, no desenvolvimento de
currículos e até na montagem de
equipes de trabalho.
A seguir, trechos da entrevista
por telefone com Gardner, que
passa esta semana no Brasil dando
palestras (leia quadro).
Folha - Algumas pessoas são
mais inteligentes do que outras ou
elas desenvolvem a inteligência
durante a vida?
Howard Gardner - Ambos. Isto
é, nós não temos todos o mesmo
potencial em cada tipo de inteligência. Mozart tinha mais potencial em inteligência musical do que
eu tenho, e esse potencial é determinado geneticamente.
Por outro lado, você pode ter todo o potencial do mundo, mas, se
não tiver oportunidades de aprendizagem, motivação, bons professores, você não vai desenvolvê-lo.
Mozart não só tinha mais potencial, como tinha um pai que trabalhava com ele 20 horas por dia.
Folha - As pessoas podem equilibrar as inteligências?
Gardner - Podem. Mas embora
a motivação para isso seja importante, os recursos disponíveis e a
habilidade do professor são mais
importantes. Para desenvolver minha inteligência musical eu dependo principalmente de ter bons
professores.
Folha - Por que a sociedade valoriza mais a inteligência lógico-matemática que as outras?
Gardner - Há duas explicações
muito diferentes. Uma é prática,
de que muitas ocupações dependem dessa habilidade, a engenharia, por exemplo.
Mas parte disso é tradição. Outro
dia eu estava falando com um engenheiro que disse que nunca usou
cálculo, embora tenha sido parte
essencial de sua educação.
Eu acho que as sociedades põem
certos obstáculos que as pessoas
têm que conseguir pular. E matemática é um dos maiores obstáculos usados hoje.
Uma boa analogia é o Harvard
College, onde eu estudei. Cem
anos atrás, para ir ao Harvard College, você teria de ser capaz de ler
latim, grego e hebraico. Provavelmente nem uma em cada mil pessoas algum dia realmente usou isso, mas esse foi o obstáculo desenvolvido naquele tempo.
Isso funciona menos porque se
quer que as pessoas façam essas
coisas e mais porque se pensa
"bem, qualquer um que trabalhe
duro o suficiente para aprender
cálculo ou hebraico vai dar duro
para aprender outras coisas".
Folha - Os asiáticos seriam geneticamente melhores em lógica matemática?
Gardner - Não. A melhor demonstração disso é que, se você
pega um japonês e um garoto norte-americano na 1ª série (6 anos),
seus QIs (Quocientes de Inteligência) e seus resultados em provas de
matemática são os mesmos.
Na 6ª série, os melhores alunos
americanos têm resultados semelhantes ao dos piores japoneses.
Os japoneses não tiveram um
transplante cerebral, eles trabalharam duro e seus professores focalizaram essas coisas.
Folha - Como a teoria de inteligências múltiplas pode ajudar os
pais a criarem os filhos?
Gardner - Os pais não serviriam
bem seus filhos se eles simplesmente fizessem um julgamento do
tipo: "Minha criança é esperta ou
minha criança é burra. Se é burra,
não há nada que eu possa fazer. Se
a criança é esperta, eu não tenho
que fazer nada".
É muito mais importante tentar
entender o perfil das habilidades
da criança e as suas fraquezas e trabalhar duro por oportunidades de
aprendizagem que aproveitem esse perfil específico.
Algumas pessoas podem escolher favorecer os pontos fortes,
outras, fortalecer os fracos. Eu não
faço recomendações em um sentido ou outro.
Mas acredito que, quando a
criança é nova, é muito importante dar experiências amplas e quando fica mais velha é bom favorecer
as áreas fortes.
Folha - O que não se deve fazer?
Gardner - Um conselho útil é
evitar o narcisismo positivo ou negativo. Narcisismo positivo quer
dizer: "A coisa que eu sei fazer é
tocar o violino, então minha criança tem que tocar o violino".
Narcisismo negativo é: "A única
coisa que eu não consegui fazer é
jogar futebol, então meu filho vai
jogar futebol".
Em cada caso, o pai está projetando sua adequação ou inadequação, no lugar de prestar atenção na criança e tentar descobrir o
que ela deveria estar fazendo.
Folha - E para as escolas, o que
propõe sua teoria?
Gardner - Eu acho que ajuda de
duas formas principais. Primeiro,
um educador bom se pergunta
"qual é a meta de minha educação" e, então, pensa como é que as
inteligências múltiplas podem ajudar a realizar isso.
Se você quer desenvolver certos
tipos de seres humanos, por exemplo, se você quer seres humanos
que são civilizados uns com os outros, então você tem que desenvolver as inteligências pessoais. Você
tem que estabelecer suas metas e
treinar as inteligências que são relevantes para elas.
Outra coisa é que boa parte da
escolaridade implica dominar disciplinas e entender conceitos. E eu
acho que toda disciplina ou conceito pode ser aprendido melhor
se é aproximado por tipos diferentes de inteligência.
Com isso, você alcança mais
crianças, porque algumas aprendem mais a partir de histórias, outras, de figuras, outras, de desempenharem dramaticamente os papéis, outras, por analogias lógicas.
Além disso, você mostra para as
crianças o que é entender bem
uma questão. Uma pessoa que entende algo bem pode pensar sobre
ela de várias formas diferentes.
Folha - Como sua teoria afeta o
trabalho?
Gardner - O que eu faço no local
de trabalho é, primeiro, tentar
descobrir quais são as inteligências
de meus empregados e como
usá-las de forma que eles façam
bem o seu trabalho. E, segundo,
muito importante, é montar equipes onde as pessoas se complementem.
Vinte anos atrás, antes de desenvolver essa teoria, eu ou contratava pessoas que eram como eu ou
tentava fazer as pessoas serem como eu. Ambos são um erro.
Hoje eu busco pessoas que trabalham bem juntas, que tenham perfis de inteligência contrastantes.
Assim, eles fazem um trabalho
melhor do que 50 cópias carbono
de mim mesmo.
Folha - Como você vê o livro de
Daniel Goleman, "Inteligência
Emocional"?
Gardner - Nosso trabalho é
muito compatível. O que eu chamo de inteligência pessoal é muito
semelhante ao que ele chama de
inteligência emocional. É um bom
livro.
Mas eu tenho uma discussão
com ele. Eu acho que ele passa
muito fácil da descrição para a
prescrição. Ou seja, você descreve
as inteligências, como elas funcionam, mas aí ele também diz como
ele quer que elas funcionem.
Do meu ponto de vista, são coisas muito diferentes. A mesma inteligência pode ser usada para escrever poesia ou para incitar o
ódio racial. Você pode usar a inteligência interpessoal para ajudar
as pessoas a cooperarem, mas você
também pode usá-la para manipular as pessoas.
Então, eu acho que Goleman deveria ser mais cuidadoso em separar como funciona a inteligência
de como deveria funcionar.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|