São Paulo, segunda, 21 de julho de 1997.



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EDUCAÇÃO
Howard Gardner, que está no Brasil, vai além da inteligência emocional e faz críticas a autor de best seller
Autor explica teoria das 7 inteligências

FERNANDO ROSSETTI
da Reportagem Local

A inteligência emocional -que dá título a um livro que virou best seller no mundo- é apenas uma de sete inteligências descritas pelo educador e psicólogo da Universidade Harvard, dos EUA, Howard Gardner, 54.
Além da inteligência emocional -que Gardner chama de intrapessoal ou, simplesmente, pessoal-, os seres humanos têm também as inteligências lógico-matemática (como a de um cientista), linguística (como a de um poeta), espacial (um piloto de avião ou escultor), musical (de um compositor), corporal-cinestésica (de Pelé) e interpessoal (de um professor).
Essa classificação, chamada de Teoria das Inteligências Múltiplas, foi montada no início da década passada e vem tendo repercussões na forma como os pais criam suas crianças, no desenvolvimento de currículos e até na montagem de equipes de trabalho.
A seguir, trechos da entrevista por telefone com Gardner, que passa esta semana no Brasil dando palestras (leia quadro).

Folha - Algumas pessoas são mais inteligentes do que outras ou elas desenvolvem a inteligência durante a vida?
Howard Gardner -
Ambos. Isto é, nós não temos todos o mesmo potencial em cada tipo de inteligência. Mozart tinha mais potencial em inteligência musical do que eu tenho, e esse potencial é determinado geneticamente.
Por outro lado, você pode ter todo o potencial do mundo, mas, se não tiver oportunidades de aprendizagem, motivação, bons professores, você não vai desenvolvê-lo. Mozart não só tinha mais potencial, como tinha um pai que trabalhava com ele 20 horas por dia.
Folha - As pessoas podem equilibrar as inteligências?
Gardner -
Podem. Mas embora a motivação para isso seja importante, os recursos disponíveis e a habilidade do professor são mais importantes. Para desenvolver minha inteligência musical eu dependo principalmente de ter bons professores.
Folha - Por que a sociedade valoriza mais a inteligência lógico-matemática que as outras?
Gardner -
Há duas explicações muito diferentes. Uma é prática, de que muitas ocupações dependem dessa habilidade, a engenharia, por exemplo.
Mas parte disso é tradição. Outro dia eu estava falando com um engenheiro que disse que nunca usou cálculo, embora tenha sido parte essencial de sua educação.
Eu acho que as sociedades põem certos obstáculos que as pessoas têm que conseguir pular. E matemática é um dos maiores obstáculos usados hoje.
Uma boa analogia é o Harvard College, onde eu estudei. Cem anos atrás, para ir ao Harvard College, você teria de ser capaz de ler latim, grego e hebraico. Provavelmente nem uma em cada mil pessoas algum dia realmente usou isso, mas esse foi o obstáculo desenvolvido naquele tempo.
Isso funciona menos porque se quer que as pessoas façam essas coisas e mais porque se pensa "bem, qualquer um que trabalhe duro o suficiente para aprender cálculo ou hebraico vai dar duro para aprender outras coisas".
Folha - Os asiáticos seriam geneticamente melhores em lógica matemática?
Gardner -
Não. A melhor demonstração disso é que, se você pega um japonês e um garoto norte-americano na 1ª série (6 anos), seus QIs (Quocientes de Inteligência) e seus resultados em provas de matemática são os mesmos.
Na 6ª série, os melhores alunos americanos têm resultados semelhantes ao dos piores japoneses.
Os japoneses não tiveram um transplante cerebral, eles trabalharam duro e seus professores focalizaram essas coisas.
Folha - Como a teoria de inteligências múltiplas pode ajudar os pais a criarem os filhos?
Gardner -
Os pais não serviriam bem seus filhos se eles simplesmente fizessem um julgamento do tipo: "Minha criança é esperta ou minha criança é burra. Se é burra, não há nada que eu possa fazer. Se a criança é esperta, eu não tenho que fazer nada".
É muito mais importante tentar entender o perfil das habilidades da criança e as suas fraquezas e trabalhar duro por oportunidades de aprendizagem que aproveitem esse perfil específico.
Algumas pessoas podem escolher favorecer os pontos fortes, outras, fortalecer os fracos. Eu não faço recomendações em um sentido ou outro.
Mas acredito que, quando a criança é nova, é muito importante dar experiências amplas e quando fica mais velha é bom favorecer as áreas fortes.
Folha - O que não se deve fazer?
Gardner -
Um conselho útil é evitar o narcisismo positivo ou negativo. Narcisismo positivo quer dizer: "A coisa que eu sei fazer é tocar o violino, então minha criança tem que tocar o violino".
Narcisismo negativo é: "A única coisa que eu não consegui fazer é jogar futebol, então meu filho vai jogar futebol".
Em cada caso, o pai está projetando sua adequação ou inadequação, no lugar de prestar atenção na criança e tentar descobrir o que ela deveria estar fazendo.
Folha - E para as escolas, o que propõe sua teoria?
Gardner -
Eu acho que ajuda de duas formas principais. Primeiro, um educador bom se pergunta "qual é a meta de minha educação" e, então, pensa como é que as inteligências múltiplas podem ajudar a realizar isso.
Se você quer desenvolver certos tipos de seres humanos, por exemplo, se você quer seres humanos que são civilizados uns com os outros, então você tem que desenvolver as inteligências pessoais. Você tem que estabelecer suas metas e treinar as inteligências que são relevantes para elas.
Outra coisa é que boa parte da escolaridade implica dominar disciplinas e entender conceitos. E eu acho que toda disciplina ou conceito pode ser aprendido melhor se é aproximado por tipos diferentes de inteligência.
Com isso, você alcança mais crianças, porque algumas aprendem mais a partir de histórias, outras, de figuras, outras, de desempenharem dramaticamente os papéis, outras, por analogias lógicas.
Além disso, você mostra para as crianças o que é entender bem uma questão. Uma pessoa que entende algo bem pode pensar sobre ela de várias formas diferentes.
Folha - Como sua teoria afeta o trabalho?
Gardner -
O que eu faço no local de trabalho é, primeiro, tentar descobrir quais são as inteligências de meus empregados e como usá-las de forma que eles façam bem o seu trabalho. E, segundo, muito importante, é montar equipes onde as pessoas se complementem.
Vinte anos atrás, antes de desenvolver essa teoria, eu ou contratava pessoas que eram como eu ou tentava fazer as pessoas serem como eu. Ambos são um erro.
Hoje eu busco pessoas que trabalham bem juntas, que tenham perfis de inteligência contrastantes. Assim, eles fazem um trabalho melhor do que 50 cópias carbono de mim mesmo.
Folha - Como você vê o livro de Daniel Goleman, "Inteligência Emocional"?
Gardner -
Nosso trabalho é muito compatível. O que eu chamo de inteligência pessoal é muito semelhante ao que ele chama de inteligência emocional. É um bom livro.
Mas eu tenho uma discussão com ele. Eu acho que ele passa muito fácil da descrição para a prescrição. Ou seja, você descreve as inteligências, como elas funcionam, mas aí ele também diz como ele quer que elas funcionem.
Do meu ponto de vista, são coisas muito diferentes. A mesma inteligência pode ser usada para escrever poesia ou para incitar o ódio racial. Você pode usar a inteligência interpessoal para ajudar as pessoas a cooperarem, mas você também pode usá-la para manipular as pessoas.
Então, eu acho que Goleman deveria ser mais cuidadoso em separar como funciona a inteligência de como deveria funcionar.



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