São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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EDUCAÇÃO

Educadores culpam a progressão continuada

Pesquisa aponta altos índices de analfabetismo em Guará (SP)

ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO

C.A.F.S., 13, está na sétima série, mas não sabe ler. Não é capaz de decifrar uma simples frase escrita na lousa pela professora de uma escola pública de Guará (a 400 km ao norte de São Paulo). Por isso, diz que tem vergonha. "Acabo sempre chorando. Todos os dias", explica, ao contar que seus colegas de classe riem dela por causa da deficiência.
Ela é apenas um dos mais de 1.300 alunos da rede oficial de ensino da cidade que têm dificuldade de leitura. Pesquisa da Secretaria da Educação de Guará mostrou que 63% dos 2.068 alunos de 1ª a 8ª série do ensino fundamental público quase não sabem ler.
A secretaria fez um prova, no mês passado, com os alunos de cinco escolas estaduais herdadas pela prefeitura no final de 2001. Questionários com perguntas de português e matemática, semelhantes ao que o governo aplica com o Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), foram distribuídos para os estudantes.
Dos 2.068, cerca de 1.300 tiveram notas inferiores a quatro. Dos restantes, 28% conseguiram avaliações entre cinco e sete e apenas 9%, acima de oito.
As respostas assustaram os professores: muitos estudantes, além de não saberem ler, ignoram a capital do país. Nem à famosa pergunta -"quem descobriu o Brasil?"- souberam responder.
O pior: a conclusão dos educadores de Guará é que essa realidade não se restringe apenas à cidade, mas está presente em todo o Estado de São Paulo.
É que eles avaliam que o problema de Guará é fruto da progressão continuada. Para os educadores, esse sistema retirou dos alunos o estímulo de estudar.
"Isso [o fato de alunos não saberem ler" é consequência da progressão continuada. O mau aluno sabe que não vão exigir nada dele, que não vai ser reprovado", afirmou Walter Colombini, diretor da Udemo (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo) de Ribeirão Preto.
A progressão continuada é o sistema adotado pelo governo Mário Covas (PSDB) em 1998, que elimina a reprovação do aluno em todo o Estado. Ele recebe reforço durante o ano das matérias que tiver dificuldade.
"Não ficamos surpresos com o resultado. Isso já era esperado. Fizemos o levantamento apenas para dimensionar o problema e estudar medidas concretas para solucioná-lo", afirmou a secretária da Educação de Guará, Dorcelina Helena Nogueira Furtado, a Doce. De acordo com ela, o levantamento deverá nortear um trabalho em implantação que visa resolver o problema.
Uma outra conclusão dos educadores é que a vergonha sentida por C.A.F.S. só atrapalha.
Eles acreditam que as autoridades precisam arrumar uma maneira de incentivar alunos como ela. Uma opção talvez seja o projeto de ensino em período integral, implantado em uma das escolas de Guará.
Doce disse que um novo levantamento, com algumas modificações, será feito com os alunos, como deixar o professor de cada classe aplicar as provas.
"A presença da "tia" na sala de aula, até o timbre de sua voz, traz uma confiança para os alunos. Ela não ajuda nas soluções, mas influencia", afirmou ela.
Para os professores, a secretaria afirma que está realizando cursos de capacitação. "Estamos também acompanhando de perto o magistério para melhorar a qualidade do profissional."
A Secretaria de Estado da Educação afirmou que o secretário Gabriel Chalita não comentaria o assunto porque desconhecia a pesquisa realizada em Guará.



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