São Paulo, terça, 21 de julho de 1998

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PERIGO EM CASA
Agressões por familiares são principal causa de lesões em mulheres de 15 a 44 anos no mundo, segundo a ONU
Violência no lar é o que mais fere mulher

DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília

Qual o lugar mais seguro para mulheres e crianças, suas próprias casas ou a rua? Para milhões de vítimas da violência doméstica, a casa, em vez de ser sinônimo de proteção e segurança, é motivo de ameaça à integridade física e até à vida. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a violência doméstica é a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo.
Nos EUA, as agressões em casa fazem mais vítimas entre as mulheres do que a soma dos ferimentos causados por acidente de carro, estupro e assaltos.
No Brasil, onde só neste ano se fez pesquisa nacional para detectar a extensão do problema, a situação também é grave. Levantamento do Movimento Nacional pelos Direitos Humanos constatou que 66,3% dos acusados de homicídios contra mulheres em 95 e 96 eram seus parceiros.
Pesquisa coordenada pela advogada Sílvia Pimentel (que analisou 150 processos sobre crimes de violência sexual contra mulheres, em São Paulo) chegou a conclusão semelhante: em 70% dos casos analisados, as vítimas conheciam seus estupradores.
Além dos resultados óbvios -desestruturação da família e desrespeito a direitos básicos, como integridade física-, a violência doméstica contra a mulher tem mais uma consequência nefasta: o prejuízo financeiro.
Segundo estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), uma em cada cinco mulheres que faltam ao trabalho o fazem por terem sofrido agressão física. No Canadá, a violência doméstica custa ao país anualmente US$ 1,6 bilhão. Nos EUA, o prejuízo estimado varia entre US$ 10 bilhões e US$ 67 bilhões por ano.
Para chamar atenção para o drama dos que são reféns da violência em suas próprias casas, a ONU lançará na próxima quinta-feira o Pacto Comunitário Contra a Violência Intrafamiliar, que já tem a adesão de mais de 80 entidades, entre as quais a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, a Anistia Internacional e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Depois das mulheres, as crianças são as principais vítimas da agressão dentro de casa. Só nos EUA, cerca de 3,3 milhões de crianças e adolescentes são expostos à violência doméstica a cada ano.
Pesquisa do Departamento de Justiça norte-americano feita em 96 constatou que 20% dos autores de homicídios contra crianças são membros da família. Embora não haja estatísticas no Brasil, os estudos regionais mostram claramente que as crianças também são alvo fácil da violência doméstica.
Levantamento realizado em São José do Rio Preto (SP), por exemplo, constatou que 52,8% das crianças matriculadas no 1º grau em 94 haviam sofrido algum tipo de ferimento imposto pelos pais.
Dados levantados a partir dos casos que chegam ao SOS Criança de São Paulo - serviço que abriga crianças em situação de risco- comprovam a gravidade do problema: 64% das denúncias de agressão física têm origem em casa. Parentes foram os autores de 75% das agressões sexuais contra menores registradas entre 88 e 93.
No ano passado, o SOS Criança atendeu 15.523 crianças vítimas de violência (física, psicológica ou sexual) e negligência, mas Rosângela Zanetti, coordenadora do órgão, calcula que o número de crianças agredidas em casa seja muito maior.
"A experiência nos ensinou que a maioria das crianças que vivem na rua saíram de casa por causa da violência doméstica. Para medir o tamanho da violência intrafamiliar no Brasil, basta olhar para a quantidade de crianças que vivem nas ruas", diz.
A idéia de trocar a casa pelas ruas para se proteger da violência não ocorre apenas no Brasil. Investigação do Senado norte-americano em 91 concluiu que metade das mulheres e crianças sem-teto dos EUA vive nas ruas por causa da violência doméstica.



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