São Paulo, Sábado, 21 de Agosto de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Democracia e soberania em xeque na Colômbia

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Ninguém discute a imperiosa necessidade de vigoroso, permanente e qualificado combate ao tráfico de drogas, destacadas nessa designação genérica a cocaína e a maconha. Na luta o Brasil está em pé de igualdade com todas as demais nações, cujos jovens, especialmente os jovens, estejam ameaçados pelo vício, com todas as suas consequências trágicas. O combate é cada vez mais necessário. Urgente.
Os pólos principais do tráfico de cocaína são a Colômbia, de que se diz ser a maior produtora desse alcalóide, e os Estados Unidos, do qual também se diz ser o país de seu maior consumo. As estatísticas sugerem que 40% da produção colombiana é cheirada ou injetada por pessoas residentes na grande superpotência. As polícias norte-americanas, ricas, equipadas, competentíssimas e incorruptíveis, com o famoso FBI (Escritório Federal de Investigações) à frente, não conseguiram impedir o tráfico.
O fracasso interno levou o governo Clinton a uma solução politicamente hábil, ao situar o mal fora dos Estados Unidos. Sadam Hussein e Slobodan Milosevic deixaram o papel de inimigo público nº 1. Substituição radical. Pessoas determinadas saíram de cena.
Entrou no lugar delas um grupo guerrilheiro colombiano, que estaria facilitando a distribuição da cocaína. O novo ideal deixou de ser a proteção de frágeis emirados contra as forças de Sadam ou dos pobres kosovares contra a cruel perseguição étnica, estimulada por Slobodam. É um grupo guerrilheiro, acusado de perturbar a paz interna da Colômbia e de, facilitando o tráfico, arrumar dinheiro para comprar mais armas. Armas, talvez, estadunidenses.

A massa informativa, a partir de uma boa causa (o combate às drogas), propõe soluções que forçam o questionamento da soberania envolvida, ante notícias de manifestações de autoridades dos Estados Unidos sugerindo que a aviação militar brasileira derrube aviões, alegadamente ligados aos revolucionários colombianos (mesmo não matriculados no Brasil), usados no tráfico (ou supostamente). A Constituição brasileira tem dois artigos pertinentes ao assunto. O primeiro é a soberania, como um dos fundamentos de nossa República. O outro se refere, no plano internacional, ao respeito das independências nacionais, da autodeterminação dos povos e da não-intervenção.
Soberania é o poder das nações livres de se organizarem por si mesmas. A expressiva presença de técnicos militares norte-americanos na Colômbia não fere a soberania desse país, pois foi solicitada pelo seu presidente. Só ferirá quando os militares chegarem sem serem convidados, o que parece improvável, em se tratando de tropas norte-americanas. Como se viu na Iugoslávia, os ideais são muito bons para matar e destruir, mas não são suficientemente bons para morrer por eles.
Considerados os termos da Constituição brasileira, sobre soberania e não-intervenção, a evolução dos fatos há de ser acompanhada de perto pela sociedade pensante deste país.
Já ouvi pessoas qualificadas dizendo que parcelas do povo colombiano são favoráveis ao ingresso de tropas americanas e que se encontram nas ruas pessoas com camisetas dizendo "Yankees come home", em vez do proverbial "Yankees go home".
Nesse campo, a massa propagandística não serve. Aquele que aceitar a ofensa da soberania e da autodeterminação colombiana, com base na propaganda, não poderá, depois, queixar-se de que sua própria autodeterminação foi ofendida. É preciso pensar nos efeitos que o futuro pode trazer.


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