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GILBERTO DIMENSTEIN
Gugu e o "Domingo Ilegal"
É um equívoco concentrar o tiroteio exclusivamente contra
o apresentador Gugu Liberato
por causa da entrevista fraudulenta de supostos integrantes do
PCC, divulgada no "Domingo Legal". O escândalo é apenas consequência do ambiente de vale-tudo da televisão brasileira -a começar do SBT e de Silvio Santos-, reverente ao princípio da
audiência a qualquer custo. Pode
ser um caso extremo, fruto da irresponsabilidade do apresentador, mas, nem de longe, é isolado.
Não foi, aliás, Silvio Santos
quem se divertiu, neste ano, inventando, em entrevista à imprensa, que estava doente, em estado terminal?
Imerso no escândalo, Gugu foi
fuzilado de todos os lados. O Ministério das Comunicações, onde
até há pouco tempo ele lutava por
concessões de emissoras, abriu
processo, acusando o programa
de "incitar atividades
criminosas".
Parlamentares exigiram "punição exemplar". Procuradores da
República decidiram mover ação
contra o apresentador: pediram
indenização de R$ 1,5 milhão e
suspensão por 30 dias do "Domingo Legal". A Promotoria de
Justiça do Consumidor, de São
Paulo, instaurou inquérito civil
para saber até onde vai a responsabilidade de Gugu e de sua
emissora.
O apresentador iria gravar
anúncios para a Petrobras sobre
responsabilidade social; a estatal,
espertamente, pulou fora.
Mostrando-se arrependido, Gugu Liberato desfilou, na semana
passada, em programas de televisão para tentar consertar o estrago da fraude. Inútil.
Pediu desculpas e apresentou-se
como vítima, dizendo que não tinha analisado a entrevista antes
de levá-la ao ar. É improvável,
mas talvez, quem sabe, ele esteja
mesmo contando a verdade. Quase ninguém, porém, acreditou nele. O fato de terem punido o autor
da "reportagem" foi interpretado
menos como uma reparação e
mais como a aplicação da regra
de que a "corda sempre arrebenta
no lado mais fraco".
E não se acreditou porque as
pessoas tendem a achar, com justificadas razões, que a guerra pela
audiência, na qual o crime é um
dos assuntos mais explorados,
comporta poucos limites.
Em vários países, mesmo em alguns ditos civilizados, como os Estados Unidos, a baixaria encontra lugar na mídia, inclusive na
aristocrática Inglaterra. A diferença é que aqui está reinando
em horário nobre.
A exploração da miséria, do sexo, do crime e da violência ganhou, há muito, o horário nobre,
em geral mesclando ficção com
realidade -química que, muitas
vezes, produz belos romances,
mas, frequentemente, desastres
jornalísticos.
Expressa abertamente por produtores de televisão, a lógica que
orienta esses programas é simples:
as emissoras atendem ao gosto do
freguês. E, na maior parte das vezes, o "freguês" é inculto, suscetível ao sensacionalismo. Quem
quer jogar o jogo tem de aceitar
essa regra -senão fica de fora.
Como a televisão, salvo em alguns poucos programas, não colabora para a elevação da qualidade do espectador e como o nível
de educação da maioria da população é baixo, estabelece-se um
círculo vicioso.
Um dos problemas óbvios é que
a televisão, apesar de ser uma
concessão pública, não é obrigada
a exibir uma cota mínima de programas educativos para tentar
minimizar os efeitos desse círculo
vicioso.
Quem realizou os melhores programas educativos brasileiros, alguns deles referências mundiais,
está sem dinheiro. É esse o caso da
TV Cultura. A crise passa a todos
a mensagem de que investir em
educação na TV não dá audiência e, portanto, não traz dinheiro.
Por trás do episódio Gugu-PCC,
há um debate muito mais profundo do que a entrevista fraudada.
A mídia, no geral, ainda não se
percebe como um instrumento de
formação, atendo-se à informação e ao entretenimento -e reflete nossa maior fragilidade, que é
a lógica da ignorância que gera
ignorância, a mesma que fez de
um tipo como Gugu algoz e vítima de si próprio.
PS - Parece que Lula se salvou
de mais um desastre mercadológico na área social. Técnicos independentes advertiram que o Fome Zero, lançado como foi lançado, rapidamente perderia a credibilidade. Esse novo cartão, que
pretende unificar os programas
sociais, corre o risco de já nascer
manchado se não estiver integrado a programas estaduais e municipais, como técnicos sugerem
há muito tempo. Tudo estava preparado para ser divulgado na
sexta-feira, mas o próprio Lula
assumiu o desgaste e suspendeu a
comemoração, pedindo uma
amarração melhor. A verdade é
que o PT ainda está a dever, na
área federal, alguma inovação
nas políticas de combate à pobreza -e um programa unificado,
capaz de articular os vários níveis
de governo, pode ser conceitualmente um bom começo, desde
que, é claro, seja bem administrado. Apenas misturar os programas federais, dando-lhes uma nova cara, beira a maquiagem.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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