São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

"Persistindo os sintomas..."

A cerveja "que desce redondo" ainda gera muitas mensagens de leitores que querem saber se ela desce redondo mesmo, ou se deveria descer redonda. Já vimos que, assim como mulheres olham de modo torto, isto é, olham torto (e não "tortas", a menos que se queira indicar a posição do corpo ou da cabeça delas no momento em que olham), a cerveja desce redondo (redondamente, de modo redondo).
Outro caso que ainda freqüenta muitas das inúmeras mensagens dos leitores é a frase com que se encerram as peças publicitárias de medicamentos. No início, eram duas as formas empregadas: "A persistirem os sintomas..." e "Ao persistirem os sintomas...". Há pouco tempo, surgiu uma terceira: "Persistindo os sintomas...".
Já escrevi sobre o par "A persistirem/Ao persistirem", mas não custa repetir: com "A persistirem os sintomas...", indica-se essencialmente idéia de condição ("A persistirem os sintomas" equivale a "Se persistirem os sintomas" ou "Caso persistam os sintomas"); com "Ao persistirem os sintomas", indica-se essencialmente idéia de tempo ("Ao persistirem os sintomas" equivale a "Quando persistirem os sintomas"), embora essa construção tenha também algum matiz condicional.
E com o gerúndio ("Persistindo os sintomas...")? Acalme-se, caro leitor. Não se trata de mais um caso da febre gerundista que assola o país. Você não precisa estar se preocupando: não vou estar analisando (nem você vai precisar estar lendo) o ultra-indevido uso de "estar + gerúndio", que, como vimos na semana passada, não é indevido (o uso) pela estrutura do par (que é da língua há séculos), mas pelo valor com que tem sido empregada essa dupla.
Em "Persistindo os sintomas", temos o que se chama de oração reduzida de gerúndio. Por favor, não se assuste com o nome da oração, que -eu sei- não é dos mais formosos. São reduzidas as orações que não são introduzidas por conectivos (conjunções, pronomes relativos) e têm o verbo no particípio ("Terminado o debate, começaram as entrevistas"), no infinitivo ("Suponho serem eles os responsáveis") ou no gerúndio ("Agindo dessa maneira, você criará muitas inimizades").
Muitas vezes, é possível desdobrar (ou desenvolver) as orações reduzidas, o que implica empregar uma conjunção ou pronome relativo e conjugar o verbo no indicativo ou no subjuntivo. Se desdobrássemos a reduzida do primeiro exemplo, teríamos "Assim que terminou o debate, começaram as entrevistas" (ou "Logo que terminou o debate...", "Mal terminou o debate..." etc.).
No segundo exemplo, teríamos "Suponho que sejam eles os responsáveis" (ou "Suponho que são eles os responsáveis", caso se queira afirmar que a suposição é fundamentada em dados muito fortes). No terceiro exemplo, teríamos "Se agir assim, você criará muitas inimizades" (ou "Caso aja assim, você criará...").
Pois é justamente aí que se encaixa a forma "Persistindo os sintomas, o médico deverá ser consultado". A primeira oração (reduzida de gerúndio) tem valor condicional e equivale a "Caso persistam os sintomas..." (ou "Se persistirem os sintomas...").
Quando bem empregadas (e é esse o caso de "Persistindo os sintomas..."), as orações reduzidas são, no mínimo, elegantes. Como se vê, o gerúndio não é -nem de longe- o pior dos mundos. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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