São Paulo, quarta, 21 de outubro de 1998

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DESFILES
Escolas fazem enredos que homenageiam outros locais para receber apoio financeiro dos governos estaduais
Demais Estados financiam Carnaval do Rio

Patrícia Santos/Folha Imagem
O carnavalesco Joãosinho Trinta, da Unidos do Viradouro, para quem as escolas do Rio recebem muito pouco


RONI LIMA
a Sucursal do Rio

O desfile do Carnaval 99 das es colas de samba do Rio será realizado em 14 e 15 de fevereiro sob a marca do crescente patrocínio oficial e de uma festa cada vez mais descaracterizada, com pouca criatividade artística.
"O desfile virou um enredo de marketing. Ficou chato, parece uma aula de geografia do Brasil", afirma o carnavalesco da União da Ilha do Governador, Milton Cunha, 35, ao apontar quatro escolas que receberam patrocínio de governos para homenagear cidades ou Estados do país.
"O Carnaval carioca está ameaçado de falência, porque muitos banqueiros de bicho estão se afastando e as escolas recebem muito pouco pelo desfile. É por isso que apelam para esses enredos", diz Joãosinho Trinta, carnavalesco da Unidos do Viradouro.
Cada escola recebe cerca de RÏ 500 mil para desfilar, aí incluídos o percentual de bilheteria e o direito de televisionamento. Como o desfile chega a custar de RÏ 1 milhão a RÏ 2 milhões, sobra um buraco.
Muitas vezes, segundo carnavalescos e diretores, a receita dos ensaios de samba-enredo não cobrem os custos. Na falta de um bicheiro ou de qualquer outro patrono, acaba-se buscando um enredo que atraia verbas oficiais.
"Realmente é preferível um enredo autoral do que falar de uma cidade. Mas o carnavalesco tem que se adaptar aos novos tempos. Não adianta trabalhar contra a maré", diz o carnavalesco do Salgueiro, Mauro Quintaes.
Segundo ele, o Salgueiro receberá este ano uma cota de RÏ 300 mil dos governos do Rio Grande do Norte e da cidade de Natal para mostrar no Sambódromo enredo em homenagem aos 400 anos da capital do Estado.
A escola tenta também captar mais RÏ 300 mil junto ao empresariado do Rio Grande do Norte. Quintaes, porém, quer provar na avenida que, no seu caso, "a criatividade independe do enredo".
Ele afirma que foi contratado esse ano pelo Salgueiro para que a escola retorne ao grupo das campeãs. No ano passado, segundo ele, a escola recebeu cerca de RÏ 800 mil do governo do Amazonas para homenagear a Festa do Boi de Parintins. Ficou em oitavo lugar.
Na escolha do samba-enredo da Unidos de Vila Isabel, que faz uma homenagem à cidade de João Pessoa, jornalistas chegaram a ser convidados para a festa pela assessoria do governo da Paraíba.
""Isso é uma inversão de valores. Não é mais o sambista que convida, já é o marketing institucional de governo'', afirma Cunha.
Para carnavalescos como ele e Joãosinho Trinta, só há uma forma de as escolas sobreviverem com criatividade: se profissionalizando, buscando captar recursos junto a grandes empresas que não interfiram nos enredos.
Sem essa estrutura empresarial, Cunha enxerga outro risco de crescente descaracterização dos desfiles: as negociações com personalidades que queiram virar tema de enredo.
Embora em geral essa prática seja negada, Cunha afirma que escolas de samba costumam negociar esse tipo de apoio cobrando entre RÏ 200 mil e RÏ 600 mil, dependendo da importância do "homenageado".
No caso da União da Ilha, que no próximo desfile falará dos 101 anos de vida do jornalista Barbosa Lima Sobrinho, Cunha sustenta que nada foi pedido. A renda dos ensaios deverá cobrir os custos do desfile.
Como o jornalista será lembrado como "a consciência moral do país", Cunha diz que o desfile da escola será ""um preâmbulo'' para o enredo que planeja para o Carnaval do ano 2000: "A Fogueira das Vaidades: Carnaval e Mercantilismo".


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