São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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População teme, mas não deixa local

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Zeni Melo Ferreira, 35, nasceu e foi criada na Cidade dos Meninos. Casou-se e hoje tem três filhos, Vinícius, 13, Lucas, 5, e Letícia, 1 ano e sete meses. Apesar do medo do resultado dos testes, ela não sabe se quer sair de lá. Mora numa casa bem parecida com um sítio.
"Aqui é muito bom de morar, muito tranqüilo. O Ministério da Saúde diz que são só quatro áreas contaminadas aqui dentro. O que eu quero mesmo é o resultado dos meus exames de saúde. Se estou contaminada, quero saber. Tenho direito de saber", afirmou.
O teste, segundo o epidemiologista Sérgio Koifman, será entregue a partir do próximo dia 15. "Está marcada uma reunião com os moradores para apresentarmos o quadro geral. A partir daí, cada um vai receber seu exame, com orientações para que sejam encaminhados para tratamento, se for necessário", disse.
O tratamento será feito, a princípio, no PSF (Posto de Saúde da Família), que existe dentro da Cidade dos Meninos. Mas o Inca (Instituto Nacional do Câncer) será o hospital base para tratamentos mais complexos.
Zeni se assusta em saber que o Inca será acionado. Ela, de cabeça, conta quase 20 moradores que morreram de câncer nesse tempo em que mora lá. "Mas nem todos devem estar relacionados à contaminação", espera.
Esse é um assunto que divide os moradores da Cidade dos Meninos. A maior parte, talvez por vergonha, não fala sobre sintomas de doenças. Um morador, que pediu para não ser identificado, afirmou que quer sair dali. Espera apenas o projeto de lei que prevê indenização ser aprovado.
"Sei que minha saúde está em risco. Aqui temos muitos casos de aborto espontâneo, câncer e doenças neurológicas. As pessoas não querem sair porque não pagam para morar, aqui é área federal", afirmou ele, que está há mais de 40 anos na área.
O presidente da Associação de Moradores, Adriano de Lima, 56, também não gostaria de sair. "Se tiver áreas que não estão contaminadas, gostaria de ficar. Vim para cá ainda no internato, aos 16 anos, aprender um ofício. Depois, voltei como diretor de um dos institutos. Eu não entrego os pontos. Mas também não quero prejudicar a saúde das minhas filhas [ele tem duas]. Vamos esgotar as possibilidades", afirmou. Lima reclama da pequena indenização prevista para os moradores: R$ 50 mil por família.
Na área onde moram, há placas grandes onde se lê que é proibido tirar água de poço e ter animais. No dia em que a Folha esteve lá, dezenas de bois e vacas, além de cavalos, pastavam na área contaminada por organoclorados, que devido à baixa biodegrabilidade, acumula-se na cadeia alimentar, principalmente em alimentos de origem animal, como carne, ovos e leite. (TF)


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