São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Dinheiro das escolas é obscuro"

Segundo antropóloga, ainda não se sabe o destino de verbas repassadas por patrocinadores às agremiações

Maria Cavalcanti afirma ainda que, com a prisão de alguns bicheiros, as escolas ficaram mais vulneráveis aos traficantes de drogas

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Livro que se tornou referência acadêmica sobre o tema, "Carnaval Carioca: dos Bastidores ao Desfile" (editora UFRJ) está chegando à terceira edição. A autora, a antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, 52, vê hoje um pano de fundo diferente do que acompanhava nos preparativos da Mocidade Independente para o desfile de 1992.
Com a morte de Castor de Andrade, em 1997, a escola se tornou mediana e vulnerável, comprovando a força dos bicheiros e a ameaça do tráfico de drogas; aumentaram as fontes de financiamento dos desfiles, mas os patrocínios das empresas, segundo ela, ainda são obscuros; e reforçou-se o caráter comercial dos sambas-enredo.  

FOLHA - Por que a sra. vê a presença de bicheiros como melhor do que a do tráfico nas escolas de samba?
MARIA LAURA VIVEIROS DE CASTRO CAVALCANTI
- As escolas têm um papel extremamente civilizatório, de propiciar a troca social no sentido mais positivo. O tráfico tem atuação negativa, porque fecha a comunidade sobre si mesma, já que uma pessoa da rede não pode aparecer à luz do dia. O bicheiro quer a integração social. Pode ser um criminoso, mas ele aspira o reconhecimento do prefeito, da "sociedade de bem".

FOLHA - A relação dos bicheiros com as escolas mudou depois da prisão deles, em 1993, e da morte de capos como Castor de Andrade e Waldemiro Paes Garcia, o Miro?
CAVALCANTI
- Depois da prisão, todos reapareceram na avenida, ainda que discretamente. Alguns não deixaram de ser referência mesmo presos. Em outros casos, é triste a saída de bicheiro. A Mocidade, depois da morte do Castor, caiu muito. Perdeu aquela proteção da patronagem do bicheiro, se fragmentou e ficou muito mais exposta à violência e a um outro tipo de criminalidade, o tráfico.

FOLHA - Qual o significado da transferência para os contraventores, por parte do poder público, da organização do Carnaval?
CAVALCANTI
- É um dos grandes pontos de tensão. Obviamente, o papel deles [bicheiros] na organização do desfile foi modernizador. Mas é paradoxal, porque é uma modernização associada a códigos não-modernos, como patronagem, clientelismo e falta de clareza dos mecanismos de circulação monetária. Até nos patrocínios de empresas os valores não são claros, não se sabe quem exatamente recebe, como o dinheiro entra na escola. Esse dinheiro é obscuro. Não digo que a finalidade dele seja ilegal, mas é obscura a circulação dele.

FOLHA - A disputa de sambas-enredo nas escolas, analisada no livro, está ainda mais cara e mais envolta em pressões. Isso afeta o Carnaval?
CAVALCANTI
- Os sambas-enredo são um lugar de constrangimento. Como é um lugar em que se ganha dinheiro, é muito cerceado. E os compositores são os verdadeiros intelectuais de uma escola. Gostam de pensar, de poesia. Quanto mais liberdade para eles, melhor.

FOLHA - Há outros pontos do desfile que poderiam mudar?
CAVALCANTI
- Uma inovação interessante, mas que foi brecada, é a da batida funk [introduzida pela Viradouro em 1997]. Teve notas ruins e ninguém mais fez. Mexeu no ritmo do samba, não pode, é um tabu.

FOLHA - É comum ouvir que só há brancos desfilando para brancos verem, não havendo espaço para os mais pobres. A senhora concorda?
CAVALCANTI
- Gostaria que os ingressos fossem mais baratos. Imagino quanta gente pagaria para ver com o conforto que o sambódromo oferece... Mas é uma pena que as arquibancadas 9 e 11 sejam destinadas aos turistas. Tudo bem, vamos recebê-los, mas eles não entendem o que é aquilo e não agüentam sete escolas seguidas. Põe o setor 1 [o dos ingressos distribuídos pelas escolas] lá, põe o povão. Se o desfile tiver um ambiente de mais calor humano, vai ter muito potencial de desenvolvimento.


Texto Anterior: Frustração: Badalado, carnavalesco perde mais uma
Próximo Texto: Mangueira: Escola não pede desculpas a Beth Carvalho
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.