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"Dinheiro das escolas é obscuro"
Segundo antropóloga, ainda não se sabe o destino de verbas repassadas por patrocinadores às agremiações
Maria Cavalcanti afirma
ainda que, com a prisão de
alguns bicheiros, as escolas
ficaram mais vulneráveis
aos traficantes de drogas
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Livro que se tornou referência acadêmica sobre o tema,
"Carnaval Carioca: dos Bastidores ao Desfile" (editora
UFRJ) está chegando à terceira
edição. A autora, a antropóloga
Maria Laura Viveiros de Castro
Cavalcanti, 52, vê hoje um pano
de fundo diferente do que
acompanhava nos preparativos
da Mocidade Independente para o desfile de 1992.
Com a morte de Castor de
Andrade, em 1997, a escola se
tornou mediana e vulnerável,
comprovando a força dos bicheiros e a ameaça do tráfico de
drogas; aumentaram as fontes
de financiamento dos desfiles,
mas os patrocínios das empresas, segundo ela, ainda são obscuros; e reforçou-se o caráter
comercial dos sambas-enredo.
FOLHA - Por que a sra. vê a presença de bicheiros como melhor do que
a do tráfico nas escolas de samba?
MARIA LAURA VIVEIROS DE CASTRO
CAVALCANTI - As escolas têm um
papel extremamente civilizatório, de propiciar a troca social
no sentido mais positivo. O tráfico tem atuação negativa, porque fecha a comunidade sobre
si mesma, já que uma pessoa da
rede não pode aparecer à luz do
dia. O bicheiro quer a integração social. Pode ser um criminoso, mas ele aspira o reconhecimento do prefeito, da "sociedade de bem".
FOLHA - A relação dos bicheiros
com as escolas mudou depois da prisão deles, em 1993, e da morte de
capos como Castor de Andrade e
Waldemiro Paes Garcia, o Miro?
CAVALCANTI - Depois da prisão,
todos reapareceram na avenida, ainda que discretamente.
Alguns não deixaram de ser referência mesmo presos. Em outros casos, é triste a saída de bicheiro. A Mocidade, depois da
morte do Castor, caiu muito.
Perdeu aquela proteção da patronagem do bicheiro, se fragmentou e ficou muito mais exposta à violência e a um outro
tipo de criminalidade, o tráfico.
FOLHA - Qual o significado da
transferência para os contraventores, por parte do poder público, da
organização do Carnaval?
CAVALCANTI - É um dos grandes
pontos de tensão. Obviamente,
o papel deles [bicheiros] na organização do desfile foi modernizador. Mas é paradoxal, porque é uma modernização associada a códigos não-modernos,
como patronagem, clientelismo e falta de clareza dos mecanismos de circulação monetária. Até nos patrocínios de empresas os valores não são claros, não se sabe quem exatamente recebe, como o dinheiro
entra na escola. Esse dinheiro é
obscuro. Não digo que a finalidade dele seja ilegal, mas é obscura a circulação dele.
FOLHA - A disputa de sambas-enredo nas escolas, analisada no livro,
está ainda mais cara e mais envolta
em pressões. Isso afeta o Carnaval?
CAVALCANTI - Os sambas-enredo são um lugar de constrangimento. Como é um lugar em
que se ganha dinheiro, é muito
cerceado. E os compositores
são os verdadeiros intelectuais
de uma escola. Gostam de pensar, de poesia. Quanto mais liberdade para eles, melhor.
FOLHA - Há outros pontos do desfile que poderiam mudar?
CAVALCANTI - Uma inovação interessante, mas que foi brecada, é a da batida funk [introduzida pela Viradouro em 1997].
Teve notas ruins e ninguém
mais fez. Mexeu no ritmo do
samba, não pode, é um tabu.
FOLHA - É comum ouvir que só há
brancos desfilando para brancos verem, não havendo espaço para os
mais pobres. A senhora concorda?
CAVALCANTI - Gostaria que os
ingressos fossem mais baratos.
Imagino quanta gente pagaria
para ver com o conforto que o
sambódromo oferece... Mas é
uma pena que as arquibancadas 9 e 11 sejam destinadas aos
turistas. Tudo bem, vamos recebê-los, mas eles não entendem o que é aquilo e não agüentam sete escolas seguidas. Põe o
setor 1 [o dos ingressos distribuídos pelas escolas] lá, põe o
povão. Se o desfile tiver um ambiente de mais calor humano,
vai ter muito potencial de desenvolvimento.
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