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São Paulo, sábado, 22 de março de 2003

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SEGURANÇA

Com o dinheiro, seria possível montar um sistema de inteligência e escuta contra traficantes no Rio de Janeiro

PF paga R$ 10 mi por não usar empréstimo

Sergio Lima/Folha Imagem
Helicópteros da PF foram comprados com financiamento internacional a um custo de US$ 11,3 mi


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal já pagou R$ 10,4 milhões em taxas a bancos por não usar as parcelas previstas do maior empréstimo já feito para modernizar a instituição, de US$ 425,29 milhões (aproximadamente R$ 1,45 bilhão).
Com os R$ 10,4 milhões, seria possível montar um sistema de inteligência e escuta contra traficantes, igual ao que o Ministério da Justiça pretende criar no Rio, segundo um projeto feito pelo governo no final do ano passado.
O empréstimo para a PF foi aprovado pelo Senado em 2000, depois de sete anos de negociações. A idéia inicial era dotar a PF de um aparato tecnológico para explorar os dados coletados pelo Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Como não fazia sentido modernizar só a porção amazônica, o programa foi estendido para todo o país .
O contrato estabelecia que a PF compraria todo os equipamentos da Sofremi (Sociedade Francesa de Exportação de Materiais, Sistemas e Serviços, do Ministério do Interior da França). Com o argumento de que os materiais são para uma área que envolve a segurança nacional, não houve concorrência pública.
Segundo o cronograma estabelecido, a PF deveria ter gasto US$ 105 milhões até o ano passado, em um escalonamento previsto para durar até 2006. Mas só gastou US$ 58,67 milhões.
Como não sacou as parcelas previstas do empréstimo, a PF pagou uma espécie de multa que supera todos os seus investimentos previstos para este ano, de aproximadamente R$ 10 milhões.
A multa, chamada tecnicamente de "taxa de compromisso", é comum nesse tipo de contrato. Como o banco tem interesse que o empréstimo seja sacado e o tomador passe a pagar juros, é estabelecida uma espécie de multa no caso de as parcelas não serem usadas no tempo previsto.
A pergunta óbvia que surge é: se não era para usar todo o empréstimo, por que ele foi feito?
Aí começa um jogo de empurra: a PF diz que teve de pagar a multa porque o Ministério da Fazenda a impediu de usar os valores previstos, já que a prioridade do governo era gerar superávit. Esse argumento atravessa governos -era assim sob a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, é assim com Luiz Inácio Lula da Silva.
Um ex-assessor do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan diz que o ministério determinava cortes, mas jamais descia a detalhes como estabelecer o quanto a PF pode usar de um empréstimo.

"Falta competência"
José Vicente da Silva, secretário nacional de Segurança Pública do governo FHC, diz que a multa é só o sintoma de um problema maior: "A PF não tem competência para gerir um empréstimo de mais de US$ 400 milhões. Eles não sabem o que fazer com esse dinheiro porque não têm projetos".
Para Vicente da Silva, as compras já feitas seriam o melhor sinal da precariedade dos projetos. Entre 2000 e 2002, a PF comprou armas, coletes à prova de bala, computadores, barcos, helicópteros e construiu um centro de operações táticas em Brasília.

Helicópteros
O maior dos gastos foi com a compra de quatro helicópteros -US$ 11,3 milhões, já embutidos os juros e serviços decorrentes do empréstimo. Equivale à quinta parte do que já foi investido em três anos (US$ 58,67 milhões).
O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, em cuja gestão parte das compras foi planejada, não tem dúvidas de que "helicópteros são uma das coisas mais importantes para a PF por causa da agilidade", o que justificaria o gasto.
Mas a questão é tão controversa que uma das principais auxiliares de Dias, Elizabeth Sussekind, secretária de Justiça na sua gestão no ministério, discorda da compra das aeronaves: "Eu teria dado prioridade a compras que melhorassem as investigações sobre tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro e crimes financeiros. A compra de helicópteros foi, talvez, uma escolha grosseira. Eles não pegam os crimes que mais drenam dinheiro do país".
Luiz Antônio de Souza, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, faz uma análise similar à da ex-secretária: "Helicóptero é para polícia que tem dinheiro para esbanjar. Custa caro, tem eficácia baixíssima e, na Amazônia, quatro helicópteros e nada é quase a mesma coisa".

Prioridades
Segundo Souza, é "muito mais urgente" criar um sistema único criminal e de identificação, pelo qual seria possível descobrir no Acre que a impressão digital deixada num caminhão pertence a um fugitivo de Santa Catarina.
A PF está criando um sistema desses, mas a previsão é que comece a funcionar só em 2005. A compra foi feita no ano passado, ao custo de US$ 39 milhões.
O pesquisador da USP acredita que as compras da PF poderiam servir de guia para a discussão sobre os papéis das polícias e das Forças Armadas.
O trabalho que helicópteros podem fazer na fronteira, na opinião de Souza, seria mais bem executado pelo Exército e pela Aeronáutica. A PF, propõe ele, poderia exercer um papel similar ao do FBI (a polícia federal dos EUA), coordenando as polícias estaduais.


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