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GILBERTO DIMENSTEIN
Os filhos do Ratinho
Passados 13 anos da volta à
democracia, o Brasil produziu
uma geração de jovens descrentes
da lei, conformados com a corrupção e tolerantes com políticos
pilantras.
Desonestidade e ilegalidade são
artifícios indesejáveis, mas, no final, compensam em troca da eficiência.
Esse alarmante perfil está detalhado num levantamento em sete
cidades brasileiras, ajudando a
decifrar por que um tipo como
Ratinho vira ídolo nacional.
Nada menos do que 58% dos
entrevistados dizem que "dentro
da lei, acaba não se fazendo nada"; 42% apóiam a idéia de que
"com um pouco de desonestidade, acaba se fazendo mais".
A ideologia do "rouba mas faz"
fincou raízes mais profundas do
que imaginamos na juventude.
Vale quase tudo, desde que os
resultados sejam satisfatórios.
Estamos criando uma geração
de cidadãos moralmente incorretos e politicamente imprestáveis?
Com o apoio da Mori/Brasil, a
CPM, especializada em levantar
opiniões de crianças e adolescentes, investigou como está a percepção sobre ética na política.
Foram entrevistadas crianças
desde 9 anos de idade nas cidades
de São Paulo, Salvador, Rio de
Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belo
Horizonte e Ribeirão Preto.
"A taxa de cinismo é gigantesca", afirma Orjan Olsen, da Mori/Brasil. Um dado, em especial, o
impressionou: 43% concordam
com a seguinte frase: " Na minha
cidade, só funciona o "rouba mas
faz'".
Psicóloga responsável pela pesquisa, Oriana White, da CPM,
professora de marketing na Universidade de São Paulo, considera que o fato mais revelador aparece quando os entrevistados são
convidados a estimar o número
de políticos preocupados com o
país.
Resposta: 78% acreditam que o
Brasil não tenha mais do que dez
políticos dignos de respeito.
Pior: 20% imaginam que nenhum político presta. O que significa um em cada cinco brasileiros jovens.
Razoável supor que, diante de
um eventual fechamento do Congresso, não haveria indignação?
Provavelmente.
A explicação óbvia para a descrença são os escândalos que não
cessam de aparecer pela imprensa.
Todas as votações relevantes do
Congresso produzem rumores ou
informações de compra de votos e
indecorosas barganhas, batendo
no Palácio do Planalto; todas as
eleições atraem denúncias do uso
de dinheiro público ou contribuições ilegais.
Essa é uma geração que, afinal,
começou a engatinhar no período
Sarney, testemunhou a gestão
Collor e viu prosperar lideranças
como Paulo Maluf, Orestes Quércia ou Antônio Carlos Magalhães, considerados eficientes
apesar dos supostos métodos flexíveis.
Quem mora em São Paulo ouviu Celso Pitta reconhecer, publicamente, que para vencer a disputa valia a pena dinamitar os
cofres públicos.
Os jovens não têm, de fato, uma
abundância de exemplos para
embalar a crença de que a ética
na política deveria ser a regra.
Mas, queiram ou não, é quem
vai estar no poder em breve, comandando empresas, governos
ou universidades.
A causa é, porém, mais profunda. Há uma vivência cotidiana e
generalizada da impunidade.
Empresas que não são castigadas por venderem produtos danificados, professores relapsos que
permanecem dando aulas e reprovando, a enganação do vestibular, médicos que não respondem por seus erros, planos de
saúde cujos contratos são minúsculos nas cláusulas restritivas e
gigantescos nas mensalidades.
Quem é assaltado sabe que, dificilmente, a polícia vai pegar o
delinquente. A imensa maioria
nem sequer dá queixa por furtos.
A falta de ética não está só nos
palácios e casas legislativas, mas
nas ruas. Imagine se a imprensa
cobrisse os hospitais como cobre o
Congresso. Será que andar vestido de branco ia pegar bem?
Saída: devemos ensinar nas escolas noções de cidadania e ética
como ensinamos matemática.
Viver sem respeitar e conhecer
seus direitos é como não saber
fazer contas. O erro de cálculo da
cidadania é admirar Ratinho como justiceiro.
Não é para menos: afinal, até
ministro da Justiça recebe ordens
do apresentador; um ministro de
um governo em que o presidente
promete fidelidade aos direitos
humanos.
PS - Uma triste e dignificante
história de um adolescente e de
um político. Poucos antes de viajar para a praia em fevereiro deste ano, um rapaz de 16 anos resolveu ter uma conversa séria
com o pai, um deputado federal.
Queria saber o que ele vinha
fazendo para acabar com o problema dos meninos de rua, já que
tinha influência tanto a nível estadual como federal.
O adolescente comentou que,
quando voltasse de viagem, iria
se envolver, ajudando crianças de
rua.
O pai ficou acuado, de um lado,
mas, de outro, orgulhoso. Foi a
última viagem. O jovem Ulisses
Peres de Pontes morreu afogado
numa praia de Ubatuba.
O pai, o deputado José Aníbal,
do PSDB paulista, conseguiu fazer com que o filho de alguma
forma sobrevivesse. Ainda traumatizado com a perda, engajou-se em movimentos de proteção a meninos e meninas de rua.
Por estar envolvido em projetos
de educação, dando aulas para
jovens, estou convencido de que
meninos como Ulisses, simbólicos
pela lembrança do herói grego,
vão converter os filhos de Ratinho.
E-mail:gdimen@uol.com.br
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