São Paulo, terça, 22 de abril de 1997.

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Índios da aldeia rezarão e cantarão em círculo, em volta do caixão e de todas as armas que possuem
Enterro será marcado por ritual de protesto

da Agência Folha, em Pau Brasil

Um ritual de protesto marca hoje em Pau Brasil (BA) a chegada do corpo e o enterro do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, 45.
Chamado pelos índios de ``dança do protesto'', o ritual deve reunir os 1.723 membros da tribo pataxó hã-hã-hãe, onde Santos morava.
Santos morreu na madrugada de ontem, no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, depois de ter o corpo incendiado por adolescentes de classe média.
O corpo do índio deve chegar às 12h ao aeroporto de Ilhéus (BA), a 157 km da aldeia.
Ele virá de Brasília em avião fretado pela Funai (Fundação Nacional do Índio), segundo o cacique Wilson de Jesus Souza, 32.
De Ilhéus à aldeia o caixão será transportado em um carro do Corpo de Bombeiros.
O enterro está previsto para a tarde de hoje, mas, a pedido dos parentes, pode ser realizado amanhã.

Armas
Quando o corpo chegar à aldeia, será iniciado o ritual de protesto. O caixão será colocado no centro de um círculo desenhado no chão de terra ao lado de todas as armas dos índios da aldeia.
Em seguida, de mãos dadas, os índios ficarão dando voltas em torno do círculo, cantando e fazendo orações.
Durante os 15 minutos de duração do ritual, os índios cantam: ``Na minha aldeia tem beleza sem plantar, eu tenho arco, tenho a flecha, tenho a raiz para curar. Viva Jesus, eu quero a sua luz''. Uma salva de palmas encerra o ritual.
Esse ritual somente acontece em caso de morte violenta.
A última vez que os índios da aldeia hã-hã-hãe o realizaram foi em 1988, quando João Cravinho, irmão de Santos, foi morto em uma emboscada dentro da área indígena com golpes de facão.
O ritual já foi realizado ontem por duas vezes, pela manhã e à tarde. É o que os índios fazem quando o corpo está ausente.
Luto
Com 1.079 hectares, a reserva Caramuru-Catarina-Paraguassu é habitada por 1.723 índios, que reivindicam uma área de 36 mil hectares há 15 anos na Justiça. A área foi originalmente demarcada para os índios pataxós pelo antigo Ministério da Guerra, em 1926.
Ontem a aldeia amanheceu de luto. Os índios suspenderam todas as suas atividades e se reuniram na casa da mãe do índio assassinado, Minervina Maria de Jesus, 58, para lhe dar os pêsames e rezar.
Chorando muito, o cacique Wilson de Jesus Souza, neto de Minervina, disse que a morte de Galdino ``não vai enfraquecer'' a luta da aldeia pela terra.
``O sofrimento de Galdino vai dar mais força para a tribo lutar pelos seus direitos.''
Galdino era um dos dez integrantes do conselho que dirige a aldeia.
Os índios pataxós, no sul da Bahia, estão em contato com o homem branco há exatos 497 anos, ou seja, desde o descobrimento do Brasil.
Na aldeia hã-hã-hãe, todos falam português, têm escola até a 4¦ série, energia elétrica e televisão.

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