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BRIGA NO DIVÃ
Projeto para regulamentar ofício tramita no Congresso e encontra resistência de profissionais
Psicanálise quer seguir "artesanal"
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O psicanalista se forma como se
formam os artesãos, em contato e
sob a supervisão dos mais experientes. Sua formação se dá "como um ofício". O aprendizado e a
qualificação ocorrem "nas oficinas", que são os institutos de pesquisa e as escolas de formação.
Por conta desse aprendizado
"artesanal", que estaria sempre se
renovando, a psicanálise não poderá jamais ser regulamentada
como profissão.
Esta é a idéia que encabeça o
manifesto que desde quinta-feira
está percorrendo todas as sociedades, escolas e núcleos de formação de psicanálise do país. É também o argumento usado por essas
sociedades para se opor, de forma
radical, a um projeto de lei que
pretende regulamentar a profissão de psicanalista e que inicia
seus trâmites no Congresso.
O autor do projeto é o pastor e
deputado Eber Silva (Rio de Janeiro, sem partido). Para ele, "a
cobrança caracteriza o exercício
de uma profissão, por isso a psicanálise deve ser regulamentada".
O ponto em comum entre o deputado e o tema do projeto está
no fato de professar a mesma
crença dos pastores psicanalistas
que fundaram a Sbop (Sociedade
Psicanalítica Ortodoxa do Brasil).
Quem redigiu o projeto foi o
pastor e psicanalista Heitor Antonio da Silva, diretor executivo da
Sbop. "A profissão de peão de
boiadeiro acaba de ser regulamenta, por que não fazer a mesma coisa com a de psicanalista?",
pergunta. "Trata-se de um profissional que cuida de pessoas neuróticas, pode fazer um estrago na
vida do paciente."
A questão não está no cuidar de
gado ou gente, mas na regulamentação de uma prática que nos
90 anos de sua existência nunca
foi regulamentada. "A psicanálise
prescinde de qualquer regulamentação, e quem está propondo
isso está se valendo de conceitos
deturpados", diz Ana Bahia Bock,
presidente do Conselho Federal
de Psicologia (CFP).
O CFP e o Conselho Federal de
Medicina participaram dos vários
encontros iniciados em setembro,
no Hotel Glória, do Rio, reunindo
as principais sociedades de psicanálise. Na última reunião foi redigido o manifesto que agora está
percorrendo as entidades.
A preocupação começou com a
rápida expansão da Sbop que, em
oito anos, já formou 2.200 psicanalistas e tem outros 1.500 em formação. A Associação Brasileira de
Psicanálise (ABP), a mais antiga
do país, formou em 49 anos 980
psicanalistas. "A formação consome anos e se estende pela vida",
diz Wilson Amendoeira, presidente da ABP. "Os cursos da Spob
duram 320 horas e a análise pessoal é apenas uma exigência vaga.
Seus componentes não são reconhecidos no meio psicanalítico."
O projeto de lei conseguiu unir e
provocar a ira das quase 200 sociedades de psicanálise que se espalham pelo país. "Somos todos
contra a regulamentação", diz
Vânia Otero, da Associação de
Psicanálise de Brasília.
Pelo projeto, o Ministério da
Educação e Cultura estabeleceria
os currículos mínimos e as exigências para que alguém saísse
com o título de psicanalista. Também definiria as regras para que
as sociedades pudessem oferecer
a formação. O Conselho Federal
de Medicina, por sua vez, fiscalizaria o desempenho dos profissionais a partir de um código de
ética a ser redigido. O CEF, que
também participa do manifesto,
assim como a Associação Brasileira de Psiquiatria, já manifestou
sua oposição.
As sociedades tradicionais argumentam que a formação do
psicanalista se dá pela análise pessoal, por cursos teóricos e pela supervisão dos casos clínicos. Seriam requisitos impossíveis de serem definidos ou controlados por
qualquer grade curricular. A ética
dos profissionais e a tradição das
sociedades seriam a garantia de
seriedade para o "consumidor".
Sem regras
Olhando pelo lado do paciente,
no entanto, alguma forma de regulação da psicanálise poderia
ajudar. Numa área sem regras
nem parâmetros, o "consumidor"
não sabe a quem está pagando
nem terá a quem recorrer em caso
de se sentir enganado. Sociedades
mais novas e pouco conhecidas
oferecem cursos de final de semana e mesmo por correspondência.
Por consenso, os grupos de estudo só admitem alunos com curso superior, mas nada impede que
aceitem estudantes com o segundo grau. "A regulamentação vem
moralizar a profissão", afirma
Heitor Silva.
Poderia até ser assim, mas o
projeto de lei não ouviu as principais sociedades. Segundo o autor
do texto, 29 psicanalistas de seis
diferentes sociedades participaram da redação.
Pelo menos seis outros projetos
tentando regulamentar a psicanálise, nunca de iniciativa das sociedades, já fracassaram no Congresso. Mesmos nos meios mais
tradicionais, no entanto, há aqueles que vêem como inevitável uma
certa normatização da psicanálise, decorrência natural de seu
crescimento.
Ana Bock fala numa possível
"ordenação da perspectiva psicanalista". E Wilson Amendoeira
faz a proposta de uma entidade de
psicanalistas que se auto-regulasse. Mas regulação ou ordenação
nada têm a ver com regulamentação, ressalvam.
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