São Paulo, Quinta-feira, 22 de Abril de 1999
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CORRUPÇÃO
Empresário paga "multa" na sede do órgão, com cheque pré-datado, que deve ser trocado por dinheiro no vencimento
Esquema no DNER cobra propina em parcelas para liberar veículo irregular

ARIEL KOSTMAN
da Redação

A rede de corrupção que atua em São Paulo não se restringe à administração municipal. Na sede paulista do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), órgão do governo federal, funciona um esquema de cobrança de propina com a participação de fiscais e funcionários graduados.
A Folha presenciou, e gravou, a negociação entre um empresário, que teve dois ônibus irregulares de fretamento apreendidos, e funcionários do DNER na sede na Vila Maria (zona norte de São Paulo).
E.O., que prefere não ser identificado, teve o primeiro ônibus apreendido em novembro de 98 por um fiscal do DNER. Convocado para tratar da liberação do veículo, foi informado de que teria de pagar uma multa de R$ 1.288,77.
Em conversa com o chefe de operações do DNER em São Paulo, engenheiro Henrique Schiller, E.O. recebeu a proposta de parcelar o pagamento em três vezes, com cheques pré-datados. Entretanto, o valor não deveria ser pago no banco, mas entregue ao chefe do setor de transportes, José Mário Cendretti. O veículo foi liberado.
O mais inusitado é que, como comprovante do pagamento, E.O. recebeu o seguinte recibo: "Recebemos do sr. E.O. (no recibo, consta o nome completo), referente a processo de multa e apreensão, três cheques pré-datados. Assinado, E.O." Ou seja, o empresário consta no "recibo" como pagante e como recebedor. Não há carimbo ou timbre do DNER, apenas o brasão da República com a inscrição Serviço Público Federal.
Na data de vencimento, E.O. comparecia ao órgão e os trocava por dinheiro. A operação foi feita duas vezes. Na última parcela, de fevereiro, ele alegou dificuldades financeiras e não trocou o cheque.
Em abril, outro ônibus da empresa foi apreendido. Acompanhado pela Folha, E.O. retornou ao DNER para negociar o resgate do último cheque e tratar da liberação do segundo veículo. Recebido por Cendretti, ele foi encaminhado a uma outra funcionária para trocar o cheque por dinheiro.
A funcionária abriu uma agenda, na qual estavam diversos cheques, e retirou o de E.O, que pagou R$ 429,60 em dinheiro. Cendretti disse que depois mandaria alguém pagar o valor no banco.
Mas o documento de liberação, no qual consta que as multas já estavam quitadas, já havia sido emitido em novembro de 98.
Quanto ao outro ônibus apreendido, E.O. foi informado de que poderia novamente parcelar o débito, mas que a negociação teria que ser feita com Schiller, o chefe de operações do DNER.
No dia seguinte, em conversa gravada pelo telefone, Schiller disse que poderia "dividir a multa". E.O. voltou ao DNER, e a operação foi repetida. Mais três cheques pré-datados foram entregues e o veículo foi liberado. Novamente, ele recebeu um documento de liberação do veículo, no qual as multas constam como já quitadas. Desta vez, o documento traz, além da assinatura de Schiller, a do chefe do DNER em São Paulo, Deuzedir Martins.


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