São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011

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Guerra é guerra

Escritor sente, como pedestre e motorista, as dificuldades para não perder a paciência no trânsito

A pé

Motorista? Tudo psicopata. Como é que eu vou dividir meu espaço com uma banheira de 900 quilos, conduzida por um maluco à beira de uma síncope? Não dá. Não tem razão ou argumento que dê conta. Virou barbárie.
Eu, por exemplo, meto a cara. Vai passar por cima? Passa. Quero ver. Não tem mais a ver com civilidade, com educação. Você tem que saber se colocar na rua, tem que desenvolver a linguagem corporal mais adequada para o confronto.
Aprendi muito olhando aqueles caras da CET. Gestos firmes. Queixo pra cima. Olhar decidido. Pode notar, o motorista sente o baque, te encara de outro jeito. É uma guerra psicológica, entendeu? Se você cede aqui, o outro se aproveita ali.
O que mais me dá raiva é pedestre culpado. O cara atravessa a rua correndo, como se estivesse invadindo a casa alheia. Tá na faixa, pombas, aproveita! Relaxa! Respira! Aproveita o momento! A estrela é você!
Triste, triste. É por essas e outras que a situação chegou onde chegou. Brasileiro é muito frouxo.
Eu, se fosse prefeito, proibia o carro. Enchia a cidade de bonde, de bicicleta, até de cavalo. Acabava poluição, acabava atropelamento, acabava tudo. E se o cara resolver ficar nostálgico da época que dirigia, cadeia nele.
É claro que isso é só um sonho. Tem muito lobby nessa coisa do carro. Muito dinheiro rolando, petróleo, muito interesse em cima. É por isso que eu falo: no século 19 é que era legal. Tinha atropelamento no século 19? Tinha poluição?
Agora apareceu a ideia de multar essa gente. É claro que eu aprovo. Mas isso tinha que ter sido feito antes. Agora a anarquia tá feita e, me desculpem as autoridades, minha lei sou eu que faço.
Eu é que não vou ficar encolhido num canto, brandindo os meus direitos de cidadão desrespeitado. A rua é minha, na minha cidade mando eu. Quero ver quem vai ter coragem de me dizer que eu tô errado. Guerra é guerra.


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