São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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MOACYR SCLIAR

O Campeonato das Moedas

 Euro passa dólar Dinheiro, 16.jul.2002

Mais até do que a Fórmula 1, o Campeonato das Moedas é uma prova que se reveste de lances emocionantes, capazes de cortar a respiração até mesmo do mais calmo dos espectadores. Inclusive e principalmente porque, diferentemente das provas comuns, o Campeonato das Moedas prolonga-se através do tempo.
Na presente etapa são vários os concorrentes. Quando foi dada a largada, há alguns anos, estavam praticamente todos juntos. Mais: acreditava-se que as oportunidades eram iguais para todos. Afinal, os carros haviam sido construídos de acordo com o mesmo e básico modelo (por alguns conhecido como Neo-Liberal) e utilizariam o mesmo combustível, o Mercado. Um combustível, por sinal, bastante antigo, mas que, graças a certos aditivos, como aqueles fornecidos pelas Bolsas de Valores, prometia rendimento extra. Por este rendimento, aliás, esperavam milhões e milhões de espectadores, gente muitas vezes humilde. Para estas pessoas, a Corrida das Moedas, independentemente do vencedor, proporcionaria ao mundo uma era de prosperidade sem precedentes. A champanhe não seria apenas para aquele que subisse ao pódio, a champanhe correria pelo mundo, na grande festa do consumo global.
Nas primeiras curvas da prova os prognósticos iniciais pareciam estar se confirmando: os carros estavam todos juntos. Mas, então, e para inquietação de muitos, motores começaram a ratear, pilotos começaram a vacilar. Isso aconteceu com alguns dos novos concorrentes. De início conhecidos como Tigres Asiáticos, eles mostraram que aquela famosa propaganda, "Ponha um tigre no seu carro" não se aplicava ao caso deles. Um a um, foram perdendo terreno. Trata-se de gente inexperiente, diziam os comentaristas, mas tiveram de mudar de opinião quando até mesmo um concorrente respeitável, a Libra Inglesa, perdeu terreno. Não faltou quem falasse em sabotagem, promovido por um misterioso apostador conhecido como George Soros; o resultado, porém, é que o grupo que ocupava as primeiras posições reduziu-se consideravelmente.
E aí foi a vez do Real. Até então este concorrente vinha muito bem ajudado, claro, por seus mentores que procuravam manter o desempenho do carro mediante generosas doses do aditivo Subsídios. Mas ficou claro que o veículo não podia aguentar e assim ele foi forçado a diminuir a marcha. Emparelhado com ele, vinha o seu grande rival, o Peso. Durante alguns momentos, o Peso divertiu-se com a aflição do Real, mas então seu veículo também começou a falhar -e falhar feio, perdendo peças pelo caminho. O Peso foi obrigado a andar devagar, quase parando.
Quem ponteava a corrida era o poderoso Dólar, que se considerava imbatível. Mas então veio o Euro, por muitos visto como um veículo esquisito, feito de componentes de vários países, e muitos especialistas achavam que não ia funcionar. Para surpresa de todos, o Euro começou a ganhar terreno e, de repente, passou à frente do Dólar. Um feito impressionante, que pode mudar o panorama da corrida.
Mas há um pequeno problema. É que o Euro está com os fones. E tem medo que, de repente, uma voz soturna diga-lhe: "Agora chega. Deixe o Dólar passar à sua frente." De quem é esta voz, ninguém sabe. Mas quando ela fala, é preciso obedecer.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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