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MOACYR SCLIAR
O Campeonato das Moedas
Euro passa dólar
Dinheiro, 16.jul.2002
Mais até do que a Fórmula 1, o Campeonato das Moedas é uma prova que se reveste de lances emocionantes, capazes de cortar a respiração até mesmo do mais calmo dos espectadores. Inclusive e principalmente porque, diferentemente das provas comuns, o Campeonato das Moedas prolonga-se através do tempo.
Na presente etapa são vários os
concorrentes. Quando foi dada a
largada, há alguns anos, estavam
praticamente todos juntos. Mais:
acreditava-se que as oportunidades eram iguais para todos. Afinal, os carros haviam sido construídos de acordo com o mesmo e
básico modelo (por alguns conhecido como Neo-Liberal) e utilizariam o mesmo combustível, o
Mercado. Um combustível, por sinal, bastante antigo, mas que,
graças a certos aditivos, como
aqueles fornecidos pelas Bolsas de
Valores, prometia rendimento extra. Por este rendimento, aliás, esperavam milhões e milhões de espectadores, gente muitas vezes
humilde. Para estas pessoas, a
Corrida das Moedas, independentemente do vencedor, proporcionaria ao mundo uma era de
prosperidade sem precedentes. A
champanhe não seria apenas para aquele que subisse ao pódio, a
champanhe correria pelo mundo,
na grande festa do consumo
global.
Nas primeiras curvas da prova
os prognósticos iniciais pareciam
estar se confirmando: os carros estavam todos juntos. Mas, então, e
para inquietação de muitos, motores começaram a ratear, pilotos
começaram a vacilar. Isso aconteceu com alguns dos novos concorrentes. De início conhecidos como
Tigres Asiáticos, eles mostraram
que aquela famosa propaganda,
"Ponha um tigre no seu carro"
não se aplicava ao caso deles. Um
a um, foram perdendo terreno.
Trata-se de gente inexperiente,
diziam os comentaristas, mas tiveram de mudar de opinião
quando até mesmo um concorrente respeitável, a Libra Inglesa,
perdeu terreno. Não faltou quem
falasse em sabotagem, promovido
por um misterioso apostador conhecido como George Soros; o resultado, porém, é que o grupo que
ocupava as primeiras posições reduziu-se consideravelmente.
E aí foi a vez do Real. Até então
este concorrente vinha muito bem
ajudado, claro, por seus mentores
que procuravam manter o desempenho do carro mediante generosas doses do aditivo Subsídios.
Mas ficou claro que o veículo não
podia aguentar e assim ele foi forçado a diminuir a marcha. Emparelhado com ele, vinha o seu
grande rival, o Peso. Durante alguns momentos, o Peso divertiu-se com a aflição do Real, mas então seu veículo também começou
a falhar -e falhar feio, perdendo
peças pelo caminho. O Peso foi
obrigado a andar devagar, quase
parando.
Quem ponteava a corrida era o
poderoso Dólar, que se considerava imbatível. Mas então veio o
Euro, por muitos visto como um
veículo esquisito, feito de componentes de vários países, e muitos
especialistas achavam que não ia
funcionar. Para surpresa de todos, o Euro começou a ganhar terreno e, de repente, passou à frente
do Dólar. Um feito impressionante, que pode mudar o panorama
da corrida.
Mas há um pequeno problema.
É que o Euro está com os fones. E
tem medo que, de repente, uma
voz soturna diga-lhe: "Agora chega. Deixe o Dólar passar à sua
frente." De quem é esta voz, ninguém sabe. Mas quando ela fala,
é preciso obedecer.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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