|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIOLÊNCIA
Moradores de conjunto habitacional no Rio convivem com pessoas ligadas a facções criminosas e falta de serviços
PM prevê guerra do tráfico em Sepetiba
SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO
A PM (Polícia Militar) prevê a
explosão de uma guerra entre traficantes de drogas no conjunto
habitacional Nova Sepetiba (Sepetiba, zona oeste do Rio), maior
obra social do ex-governador Anthony Garotinho (PSB). No lugar,
em menos de 18 meses, foram instaladas cerca de 20 mil pessoas
-até então, todo o bairro de Sepetiba tinha 30 mil moradores.
A 36ª DP (Delegacia de Polícia)
já registra o caso de uma família
expulsa do conjunto por traficantes. A expulsão aconteceu porque
o chefe da família se tornou amigo
dos policiais militares que trabalham em Nova Sepetiba.
O que está acontecendo no conjunto é a repetição do ocorrido
com a Cidade de Deus (Jacarepaguá, zona oeste), um dos grandes
conjuntos habitacionais construídos na década de 60, favelizado e
tomado pelo tráfico de drogas depois, tornando-se, nos anos 80,
uma das áreas mais perigosas do
Rio de Janeiro.
Distância e cópia
Construído numa área rural a
70 km do centro do Rio -três horas de ônibus até lá- e projetado
para abrigar 55 mil pessoas até o
final do ano, o Nova Sepetiba é
hoje o que era a Cidade de Deus
há 36 anos.
A distância do centro e dos empregos e a falta de serviços básicos
como escolas e postos de saúde
são algumas das semelhanças entre os conjuntos, apesar das quase
quatro décadas que os separam
(as primeiras famílias chegaram à
Cidade de Deus em 1966).
No conjunto habitacional Nova
Sepetiba, a falta de oportunidades
aliada à ausência da polícia -são
apenas nove policiais militares-
e à presença de grupos vindos de
favelas dominadas por diferentes
facções criminosas formam o cenário propício à disseminação da
criminalidade.
"Muitas pessoas estão deixando
de trabalhar e de estudar por causa da distância incrível que as separa do centro e das oportunidades. É exatamente o que aconteceu na Cidade de Deus, 40 anos
atrás. Isso é um atalho para a criminalidade e para a miséria", analisa o escritor Paulo Lins, autor do
livro "Cidade de Deus" e ex-morador do conjunto homônimo.
Tempo
Policiais militares que trabalham em três postos instalados no
Nova Sepetiba dizem que a disseminação da violência "é apenas
uma questão de tempo e de organização dos traficantes".
De acordo com eles, já é verificada a venda de drogas no conjunto, mas ainda não existe um
tráfico organizado.
Diariamente, eles recebem denúncias de moradores sobre consumo e venda de drogas, mas não
houve nenhum flagrante.
Facções
O temor de policiais militares
quanto à guerra entre traficantes
tem um motivo: moram no conjunto pessoas vindas de várias favelas da cidade, dominadas por
diferentes facções criminosas.
"Também vieram para cá pessoas envolvidas com o tráfico,
principalmente das favelas Nova
Holanda [Bonsucesso, zona norte, dominada pelo Comando Vermelho", Lacraia [Caju, zona norte,
área do Terceiro Comando" e
Manguinhos [Bonsucesso, também do Comando Vermelho",
que são de grupos diferentes",
disse um policial que não quis se
identificar.
A partir do momento em que o
tráfico começar a se organizar, a
disputa por pontos-de-venda de
drogas terá início e as facções vão
brigar pelo domínio do Nova Sepetiba, prevê o policial.
A existência das organizações
criminosas TC (Terceiro Comando) e CV (Comando Vermelho) já
pode ser notada pelas pichações
das siglas nos muros e construções do conjunto.
Na tentativa de evitar o controle
pela criminalidade, o governo incentivou a mudança para Nova
Sepetiba de policiais civis e militares e de profissionais do Corpo de
Bombeiros.
Os policiais militares encarregados da segurança do local não
acreditam que esses moradores
permaneçam no conjunto quando as quadrilhas começarem a
brigar pelo domínio do tráfico.
Promessa
Assim como aconteceu com a
Cidade de Deus, onde os desabrigados das enchentes de 1966 mandados para lá encontraram casas
sem água encanada, luz e esgoto, a
realidade do Nova Sepetiba é bem
diferente da prometida pelo governo do Estado.
O megaconjunto abriga pessoas
retiradas de áreas de risco -que
perderam as casas em incêndios,
ou que viviam em acampamentos
de sem-teto.
Do projeto inicial, que previa a
construção de 10 mil casas populares, três escolas de ensino médio, um posto de saúde e cinco
creches, resultaram, dois anos
após a inauguração do conjunto
habitacional, a entrega de 4.000
moradias, três creches, uma escola e um centro comunitário.
As creches e a escola, apesar de
construídas, não funcionam, e o
centro comunitário, de acordo
com o presidente da Associação
de Moradores do Nova Sepetiba,
Ivan Carlos Gonçalves -afastado
para disputar a eleição para deputado estadual-, não passa de um
posto da Cehab (Companhia Estadual de Habitação).
O tratamento paisagístico, o asfaltamento das vias e a iluminação
das ruas não foram cumpridos integralmente. Apenas na região
chamada de "zona sul", que representa um terço do conjunto,
há postes e ruas asfaltadas.
Isolamento
No resto, os moradores enfrentam muita poeira no verão, alagamentos nas chuvas e a escuridão à
noite. O isolamento obriga muitos deles a vender ou alugar suas
casas. Mesmo não sendo permitida pela Cehab, a transferência é
feita clandestinamente e acontece
com frequência.
Repete-se assim o mesmo movimento ocorrido na Cidade de
Deus, quando a venda de casas
por causa da distância e da falta de
oportunidades acabou levando à
desagregação do conjunto.
Paulo Lins contou ter se assustado ao visitar o Nova Sepetiba.
"Tomei um susto, porque vi a Cidade de Deus de tempos atrás. Essa política de habitação está toda
errada. E o pior é que ela copia um
modelo falido."
Segundo Lins, os únicos resultados de uma política habitacional
como essa, "que joga as pessoas
para o fim do mundo", são a
"guetização", a formação de novas quadrilhas de criminosos e a
instauração de novos pontos-de-venda de drogas.
Na opinião do escritor, em vez
de criar enormes conjuntos habitacionais em áreas longínquas, o
governo deveria adotar uma política que possibilitasse "a divisão
dessas pessoas pela cidade, permitindo sua integração e impedindo a formação de guetos".
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Outro lado: Assessoria de Garotinho não fala sobre o caso Índice
|