São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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VIOLÊNCIA

Moradores de conjunto habitacional no Rio convivem com pessoas ligadas a facções criminosas e falta de serviços

PM prevê guerra do tráfico em Sepetiba

SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

A PM (Polícia Militar) prevê a explosão de uma guerra entre traficantes de drogas no conjunto habitacional Nova Sepetiba (Sepetiba, zona oeste do Rio), maior obra social do ex-governador Anthony Garotinho (PSB). No lugar, em menos de 18 meses, foram instaladas cerca de 20 mil pessoas -até então, todo o bairro de Sepetiba tinha 30 mil moradores.
A 36ª DP (Delegacia de Polícia) já registra o caso de uma família expulsa do conjunto por traficantes. A expulsão aconteceu porque o chefe da família se tornou amigo dos policiais militares que trabalham em Nova Sepetiba.
O que está acontecendo no conjunto é a repetição do ocorrido com a Cidade de Deus (Jacarepaguá, zona oeste), um dos grandes conjuntos habitacionais construídos na década de 60, favelizado e tomado pelo tráfico de drogas depois, tornando-se, nos anos 80, uma das áreas mais perigosas do Rio de Janeiro.

Distância e cópia
Construído numa área rural a 70 km do centro do Rio -três horas de ônibus até lá- e projetado para abrigar 55 mil pessoas até o final do ano, o Nova Sepetiba é hoje o que era a Cidade de Deus há 36 anos.
A distância do centro e dos empregos e a falta de serviços básicos como escolas e postos de saúde são algumas das semelhanças entre os conjuntos, apesar das quase quatro décadas que os separam (as primeiras famílias chegaram à Cidade de Deus em 1966).
No conjunto habitacional Nova Sepetiba, a falta de oportunidades aliada à ausência da polícia -são apenas nove policiais militares- e à presença de grupos vindos de favelas dominadas por diferentes facções criminosas formam o cenário propício à disseminação da criminalidade.
"Muitas pessoas estão deixando de trabalhar e de estudar por causa da distância incrível que as separa do centro e das oportunidades. É exatamente o que aconteceu na Cidade de Deus, 40 anos atrás. Isso é um atalho para a criminalidade e para a miséria", analisa o escritor Paulo Lins, autor do livro "Cidade de Deus" e ex-morador do conjunto homônimo.

Tempo
Policiais militares que trabalham em três postos instalados no Nova Sepetiba dizem que a disseminação da violência "é apenas uma questão de tempo e de organização dos traficantes".
De acordo com eles, já é verificada a venda de drogas no conjunto, mas ainda não existe um tráfico organizado.
Diariamente, eles recebem denúncias de moradores sobre consumo e venda de drogas, mas não houve nenhum flagrante.

Facções
O temor de policiais militares quanto à guerra entre traficantes tem um motivo: moram no conjunto pessoas vindas de várias favelas da cidade, dominadas por diferentes facções criminosas.
"Também vieram para cá pessoas envolvidas com o tráfico, principalmente das favelas Nova Holanda [Bonsucesso, zona norte, dominada pelo Comando Vermelho", Lacraia [Caju, zona norte, área do Terceiro Comando" e Manguinhos [Bonsucesso, também do Comando Vermelho", que são de grupos diferentes", disse um policial que não quis se identificar.
A partir do momento em que o tráfico começar a se organizar, a disputa por pontos-de-venda de drogas terá início e as facções vão brigar pelo domínio do Nova Sepetiba, prevê o policial.
A existência das organizações criminosas TC (Terceiro Comando) e CV (Comando Vermelho) já pode ser notada pelas pichações das siglas nos muros e construções do conjunto.
Na tentativa de evitar o controle pela criminalidade, o governo incentivou a mudança para Nova Sepetiba de policiais civis e militares e de profissionais do Corpo de Bombeiros.
Os policiais militares encarregados da segurança do local não acreditam que esses moradores permaneçam no conjunto quando as quadrilhas começarem a brigar pelo domínio do tráfico.

Promessa
Assim como aconteceu com a Cidade de Deus, onde os desabrigados das enchentes de 1966 mandados para lá encontraram casas sem água encanada, luz e esgoto, a realidade do Nova Sepetiba é bem diferente da prometida pelo governo do Estado.
O megaconjunto abriga pessoas retiradas de áreas de risco -que perderam as casas em incêndios, ou que viviam em acampamentos de sem-teto.
Do projeto inicial, que previa a construção de 10 mil casas populares, três escolas de ensino médio, um posto de saúde e cinco creches, resultaram, dois anos após a inauguração do conjunto habitacional, a entrega de 4.000 moradias, três creches, uma escola e um centro comunitário.
As creches e a escola, apesar de construídas, não funcionam, e o centro comunitário, de acordo com o presidente da Associação de Moradores do Nova Sepetiba, Ivan Carlos Gonçalves -afastado para disputar a eleição para deputado estadual-, não passa de um posto da Cehab (Companhia Estadual de Habitação).
O tratamento paisagístico, o asfaltamento das vias e a iluminação das ruas não foram cumpridos integralmente. Apenas na região chamada de "zona sul", que representa um terço do conjunto, há postes e ruas asfaltadas.

Isolamento
No resto, os moradores enfrentam muita poeira no verão, alagamentos nas chuvas e a escuridão à noite. O isolamento obriga muitos deles a vender ou alugar suas casas. Mesmo não sendo permitida pela Cehab, a transferência é feita clandestinamente e acontece com frequência.
Repete-se assim o mesmo movimento ocorrido na Cidade de Deus, quando a venda de casas por causa da distância e da falta de oportunidades acabou levando à desagregação do conjunto.
Paulo Lins contou ter se assustado ao visitar o Nova Sepetiba. "Tomei um susto, porque vi a Cidade de Deus de tempos atrás. Essa política de habitação está toda errada. E o pior é que ela copia um modelo falido."
Segundo Lins, os únicos resultados de uma política habitacional como essa, "que joga as pessoas para o fim do mundo", são a "guetização", a formação de novas quadrilhas de criminosos e a instauração de novos pontos-de-venda de drogas.
Na opinião do escritor, em vez de criar enormes conjuntos habitacionais em áreas longínquas, o governo deveria adotar uma política que possibilitasse "a divisão dessas pessoas pela cidade, permitindo sua integração e impedindo a formação de guetos".



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