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TRAGÉDIA EM CONGONHAS/GOVERNO - ENTREVISTA DENISE ABREU
Ela diz que agência realizou inspeção recente no avião da TAM que sofreu acidente na última terça e não achou problemas
Diretora da Anac não vê elo entre acidente e caos aéreo
ACIDENTE que deixou pelo menos 197 mortos não teve ligação
com o número de vôos em Congonhas. "O acidente é o acidente. O
sistema aéreo é o sistema aéreo", afirma Denise Abreu, diretora
da Anac, agência reguladora do setor aéreo, para quem não houve
demora na tomada de medidas em relação ao caos aéreo. "Enquanto a questão
dos controladores não fosse resolvida, jamais conseguiríamos detectar os outros gargalos."
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
FOLHA - Depois do acidente e de
duas centenas de mortes, o presidente Lula anunciou a diminuição
de vôos em Congonhas. Não caberia
à Anac ter feito uma avaliação e tomado a medida antes da tragédia?
DENISE ABREU - Deixa eu te falar
uma coisa: o acidente não foi no
ar. Ninguém bateu no ar, tá?
Então o acidente não tem nada
a ver com o número de vôos em
Congonhas. Vocês estão confundindo. O acidente é o acidente. O sistema aéreo é o sistema aéreo. Se "linkar" uma coisa
à outra, fica um pouco difícil de
discutir, né? Não tem nada a
ver, na-da a ver, "linkar" tráfego
aéreo com o acidente.
FOLHA - Foi o próprio presidente
Lula quem, ao falar sobre o acidente,
afirmou que o maior problema do
setor aéreo hoje é a excessiva concentração de vôos em Congonhas.
ABREU - Mas nós já estamos reduzindo os vôos desde a crise
do apagão. Eram 48 movimentos por hora que caíram para 44
e depois para 33 com a reforma
da pista principal do aeroporto.
Já estávamos realizando estudos para redução de vôos e reavaliação de malha aérea. E não
por falta de segurança, mas
porque entendíamos que estávamos com problemas de infra-estrutura. Agora se resolveu tomar essas medidas mais rapidamente. Antes mesmo da resolução desses problemas de
infra-estrutura, nós tomamos
medidas para agilizar o check-in em Congonhas, a fila de raio-X, problemas com ônibus.
FOLHA - Mas já eram mais de dez
meses de apagão aéreo e só agora a
Anac começava a tomar medidas.
Por que a demora?
ABREU - Enquanto a questão
dos controladores aéreos não
fosse resolvida, nós jamais conseguiríamos detectar os outros
gargalos do sistema. Quando a
Aeronáutica tomou providências, não tínhamos mais o problema do controle gerando os
atrasos. Mas eles permaneceram. Passamos então a adotar
outras medidas.
FOLHA - Vocês tomaram providências em relação aos aeroportos. Mas
não em relação à malha aérea das
empresas. Por exemplo, um único
avião faz vários trechos e escalas, e o
atraso num deles gera problemas
em cascata. A própria Infraero denunciou isso e as empresas disseram
simplesmente que não mudariam
nada. A Anac já não deveria ter interferido fortemente na questão?
ABREU - A concepção da malha
não foi elaborada pela Anac,
mas sim pelo antigo DAC. É
uma herança. A Anac não concedeu novos vôos para Congonhas. Quando resolvermos o
problema da infra-estrutura, aí
sim vamos poder dizer: "Ah,
continuam os atrasos. Portanto
o problema é das empresas". Aí
você multa, aplica penalidades.
FOLHA - Em pleno apagão , a Anac
arrecadou só R$ 3.000 de multas. É
um número que realmente impressiona. As empresas têm comportamento tão exemplar assim?
ABREU - A multa é o ato final de
um processo que decorre da
instauração de auto de infração. Pela lei, temos de abrir prazo de defesa para a empresa, em
primeira e segunda instâncias.
Poderíamos aplicar multas para dar impacto de mídia. Mas aí
o Judiciário vai anulá-las. É super complexo isso, entendeu?
FOLHA - Outro fato que chamou a
atenção foi o apagão da TAM no Réveillon de 2006. Os problemas não
eram da infra-estrutura, já que outras empresas transportaram os
passageiros a contento. A Anac fez
auditoria e inocentou a TAM, que
comemorou e divulgou o resultado.
ABREU - O que a TAM divulgou
não sei. Mas existem vários autos de infração em andamento.
FOLHA - Deputados da CPI do Apagão fizeram mapeamento que diz
que diretores da Anac são subordinados aos interesses das empresas.
Nele, você seria ligada à TAM.
ABREU - TAM?
FOLHA - É. O presidente [Milton]
Zuanazzi e o [diretor] Leur Lomanto
seriam ligados à Gol.
ABREU - Ainda bem que eu não
li isso. E aí?
FOLHA - Bem, e aí eu gostaria de saber se você quer comentar.
ABREU - Eu desconhecia isso.
Estou trabalhando intensamente, vocês nem podem avaliar. Enquanto eu não ler como
essa coisa foi redigida, eu não
tenho nenhuma resposta. Mas
eu me comprometo a ler e aí te
dar uma resposta.
FOLHA - Dos cinco diretores da
Anac, só um é do setor aéreo. A
agência não deveria ser técnica?
ABREU - A agência é reguladora.
E o que é regular? É escrever
uma norma, não é? E quem escreve norma? São os advogados, que sabem se aquela informação técnica está traduzida de forma correta, de acordo
com todo o regramento nacional e internacional, com a
Constituição. Então uma das
pessoas da Anac tem que ser da
área jurídica. É o meu caso.
FOLHA - Vocês receberam medalhas da Aeronáutica três dias depois
do acidente. Não foi inoportuno
num momento tão dramático?
ABREU - Isso você tem que perguntar para o comandante [Juniti] Saito, da Aeronáutica. Estava marcado há quatro meses,
é um evento que ocorre no aniversário de Santos Dumont. A
Aeronáutica substituiu a comemoração por entrega de medalha seguida de um ato de luto.
FOLHA - Voltando ao acidente: foi
correto liberar a pista de Congonhas
antes de serem feitas ranhuras para
melhorar o escoamento da água?
ABREU - A pista é da Infraero, a
obra é da Infraero. Quem libera
a pista é a Infraero. Eu só posso
te falar que a pista estava com
0,6 mm de água no momento
do acidente. As regras internacionais definem que, com até 3
mm de água, a pista não precisa
ser interditada porque é considerada segura. O atrito da pista
também foi medido naquela semana. Deu aproximadamente
0.68, e as regras internacionais
dizem que o índice deve estar
com 0.5. Ou seja, a pista estava
sendo operada com margem de
segurança até maior. O Cenipa
[órgão que investiga acidentes
aéreos no Brasil] vai estar apresentando isso. Não é competência da Anac investigar.
FOLHA - A Anac é responsável pela
segurança dos aviões. A agência sabia que a TAM estava operando o
Airbus-320 sem um dos reversos? A
própria agência baixou orientação
para que as aeronaves não pousassem em pista molhada sem reverso.
ABREU - No momento em que
editamos essa regra, a pista de
Congonhas ainda não tinha sido reformada, e o índice de atrito estava baixo. Nós então agregamos essa regra para aumentar o grau de segurança. Agora a
situação é outra. Depois da reforma aumentou o atrito. A Airbus edita o manual operacional
da aeronave. Se ele diz que o
avião pode voar com um reversor só, pode. E não tem órgão
fiscalizador que possa alterar as
configurações prestadas pelo
fabricante da aeronave. Nós fiscalizamos se a manutenção está sendo feita a contento. Fizemos a inspeção na aeronave [acidentada] e estava tudo ok.
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