São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

"A maioria dos atores são moradores..."

Já faz tempo que quero discutir a concordância do verbo quando o sujeito é formado por expressões como "A maioria", "Boa parte", "Grande parte", "A maior parte" etc. Os leitores vivem perguntando sobre isso.
Dia desses ouvi num noticiário televisivo esta frase, ótima para ilustrar a questão: "A maioria dos atores são moradores da própria favela". Falava-se do filme "Cidade de Deus", que acabara de estrear, no Rio de Janeiro.
Sabe-se que, se o sujeito é "A maioria" (e não "A maioria dos atletas", "A maioria dos deputados", "A maioria das mulheres" etc.), o verbo deve ficar no singular: "A maioria preferiu ficar na sala"; "A maioria quer mudanças"; "A maioria gostou do filme".
A dúvida ocorre quando termos como "maioria" ou "parte" (e outros de mesma natureza) vêm seguidos de especificadores postos no plural. Nesse caso, caro leitor, o que decide a questão não é uma regra rígida, inflexível; é o bom senso. A escolha da forma verbal depende basicamente do que se quer enfatizar, ressaltar.
Em "A maioria dos jornalistas mostrou preparo para sabatinar o candidato", por exemplo, a opção por "mostrou" enfatiza a noção de conjunto, de grupo, representada pela palavra "maioria". Essa é a concordância lógica, já que é da norma geral que o verbo concorde com o núcleo do sujeito.
Caso se optasse por "A maioria dos jornalistas mostraram...", dar-se-ia destaque para os formadores do grupo ("os jornalistas"). A questão fundamental é saber se de fato há necessidade de enfatizar os formadores do grupo, já que a concordância natural é feita com o verbo no singular. Formas como "A maioria dos eleitores compareceu" ou "Grande parte dos motoristas desconhece o básico do básico das leis de trânsito" talvez soem mais naturais do que "A maioria dos eleitores compareceram" ou "Grande parte dos motoristas desconhecem...".
A coisa pode mudar de figura quando se trata de verbos como "ser", "estar", "ficar" etc. Com eles, a obediência à concordância lógica nem sempre gera bons resultados. Veja-se a frase do telejornal, citada no início deste texto ("A maioria dos atores são moradores da própria favela"). Siga-se a concordância lógica e se chegará a isto: "A maioria dos atores é moradora da própria favela".
Que tal? A decisão é de quem escreve ou fala, já que as duas formas ocorrem na língua padrão, mas a opção por "é", que concorda com "maioria", impõe a necessidade de estender o critério à concordância do predicativo ("moradora"), o que talvez soe um tanto "estranho". Como quem efetivamente mora são os atores, parece que a opção por "A maioria dos atores são moradores da própria favela" é mais natural do que a opção por "A maioria dos atores é moradora...".
O que foi dito aqui a respeito de "A maioria" se estende a "Boa parte", "A maior parte" etc. Frases como "A maior parte dos homens examinados é portadora da infecção" ou "A maioria dos trabalhadores dessas regiões está contaminada" talvez sejam naturalmente substituídas por "A maior parte dos homens examinados são portadores da infecção" ou "A maioria dos trabalhadores dessas regiões estão contaminados". A escolha é sua. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
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