São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2006

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Supletivos crescem 60%; cursos não são avaliados

Modalidade, que atende alunos fora da idade ideal, não tem diagnósticos de qualidade

Para especialistas, docentes não estão preparados para lidar com a educação de jovens e adultos; nível já possui 4,6 milhões de alunos


LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem uma avaliação sistemática da qualidade dos cursos, as matrículas nos supletivos, agora chamados de educação de jovens e adultos (EJA), cresceram 60,3% nos últimos oito anos no país. Uma das justificativas para isso é a pressão do mercado de trabalho. No mesmo período (97 a 2005), o número de alunos no básico regular aumentou apenas 4,75%.
O crescimento ocorreu sem o acompanhamento de exames que possam gerar dados sobre qualidade e nível de aprendizado dos alunos. O sistema regular é avaliado pela União desde 1995 por meio do Saeb.
Para especialistas, o maior problema dos supletivos é a falta de preparo dos professores para lidar com um público mais velho e que trabalha. O próprio MEC reconhece que é preciso avançar nesse ponto. "Há espaço para um acompanhamento mais detalhado", afirmou à Folha o diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos do ministério, Timothy Ireland. Ele divide responsabilidades com Estados e municípios.
Os supletivos atendem alunos maiores de 15 anos que não terminaram o ensino fundamental (até a oitava série) e com mais de 18 anos que não concluíram o médio.
Pesquisadores confirmaram que faltam indicadores para avaliar os supletivos. Mas, pela análise das políticas adotadas e pelo contato com alunos e professores, eles afirmam que o sistema está com problemas.
"O formato da escola para jovens e adultos não atende às necessidades básicas de aprendizagem", disse Stela Piconez, docente da USP que coordena o Núcleo de Estudos sobre EJA e de Formação Permanente de Professores da universidade.
Piconez afirma que a modalidade deveria ser desenhada para um perfil de aluno que é mais velho e que já trabalha. "Os temas não são relacionados ao cotidiano do trabalho, e a grade prevê cinco aulas diárias, o que é impossível para alguém que já trabalhou oito horas no dia."
O coordenador-geral da ONG Ação Educativa, Sérgio Haddad, aponta outro problema. "Não existe formação de EJA para os professores. Em muitas universidades, não há sequer uma disciplina sobre o tema", completa Haddad, que estudou a educação de adultos em seu mestrado e doutorado na USP. "O poder público encara o EJA como um favor, não como um dever", disse Hebe Tolosa, da Associação de Pais e Alunos das Escolas do Estado de SP.
Mesmo sem uma avaliação sistemática, 4,619 milhões de estudantes brasileiros estavam matriculados em supletivos no ano passado, de acordo com dados mais recentes.
Essa etapa ganha importância principalmente porque cerca de 67 milhões de brasileiros com mais de 15 anos não terminaram o ensino básico, segundo dados do MEC.
Apesar de as turmas de primeira a oitava série ainda ficarem com 73,5% do total das matrículas nos supletivos, foi no ensino médio que ocorreu a maior taxa de crescimento. O número de alunos passou de pouco mais de 390 mil, em 1997, para 1,223 milhão em 2005 (veja quadro).
A procura pode ser explicada não só pelo menor prazo para terminar os estudos (enquanto o ensino médio regular são três anos, o EJA pode ser feito em dois ou menos) mas também pela exigência do mercado de trabalho. Essa constatação é confirmada por quem atua na contratação de profissionais. "O nível mais baixo de exigência que temos é o ensino médio", afirmou a consultora de recursos humanos Meire Fujimoto, da Catho (consultoria de recolocação profissional). A empresa oferece, hoje, 168 mil vagas -para nenhuma delas aceita-se apenas o ensino fundamental. Para quem possui só o ensino médio, diz Fujimoto, os salários são em média de R$ 500, para funções como vendedor ou para telemarketing.
Haddad e Piconez lembram ainda que a procura aumentou porque há hoje mais concluintes no ensino fundamental, que foi praticamente universalizado na década passada.


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