São Paulo, Quarta-feira, 22 de Setembro de 1999
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MEIO AMBIENTE
Pesquisador teme que se inicie um círculo vicioso de ressecamento e megaincêndios na região
Seca ameaça Amazônia, diz cientista

MARCELO LEITE
enviado especial a Macapá

Nenhum pesquisador fala mais da Amazônia como pulmão da Terra, só como ar condicionado -o maior do mundo. É um serviço que a floresta presta a este pedaço do planeta, resfriando e umidificando o clima para 20 milhões de habitantes da região, mas seu motor pode literalmente queimar num futuro próximo.
O alerta partiu dos pesquisadores Paulo Moutinho e Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Foi feito no Seminário de Consulta Biodiversidade na Amazônia, que se realiza até sábado sob a coordenação do Instituto Socioambiental (ISA).
Moutinho coordenou a discussão num dos 12 grupos do seminário, o que tinha por objetivo identificar áreas prioritárias para a manutenção das "funções ecológicas" da floresta. Esses "serviços ambientais" incluem efeitos benéficos como a fixação de gás carbônico da atmosfera e a manutenção do regime de chuvas.
As áreas mais importantes estão na parte oriental da Amazônia, sobretudo no Pará. Abrangem cerca de um terço da região.
Floresta queimada ou destruída libera CO2, aumentando o efeito estufa (um "cobertor" de gases como o carbônico, que retém calor perto da superfície), e diminui a evapotranspiração, mecanismo que devolve água da floresta para a atmosfera. Esse fenômeno é responsável por grande parte da precipitação na região. Dito de outro modo: a floresta gera sua própria chuva, até 50% do total.
"O futuro climático da região depende da floresta em pé, que faz o serviço de ar condicionado", diz Moutinho, 37, biólogo paulista que mora há dez anos no Pará.
Ele teme que se inicie um círculo vicioso de ressecamento e megaincêndios na região, como o que assolou Roraima em 1998. Naquele desastre, 14 mil km2 de floresta pegaram fogo, uma área comparável ao desmatamento de todo um ano. "A paisagem está ficando inflamável", diz Moutinho.
Os principais fatores de ressecamento são climáticos, como as secas causadas pelo El Niño, e a exploração de madeira, que rareia a cobertura vegetal e expõe o solo à radiação solar. Qualquer um deles pode iniciar o curto-circuito que desligaria o condicionador.
Esse risco é mais forte na parte leste da Amazônia (veja mapa). Trata-se da região mais sujeita a secas. Também está entre as que mais sofreram a ação predatória das madeireiras e da pecuária.
Para Moutinho, incluir os serviços de áreas florestadas -inclusive as degradadas e reservas extrativistas- permite mudar o patamar do debate de prioridades. "Tira um pouco a discussão dessa história de que tem de preservar a floresta sem gente dentro", diz.


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