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WALTER CENEVIVA
Impossível distinguir direito e justiça
Derrida tem razão: não há critério bom para distinguir o direito e o justo, acima de qualquer dúvida objetiva
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AS ALTERNATIVAS PROPOSTAS
por João Batista Natali, nesta
Folha, no dia seguinte ao da
morte de Luciano Pavarotti, me fizeram pensar na distância entre direito e justiça, dando origem a esta
coluna. Todo ser humano é igual
aos outros, enquanto titular de direitos da personalidade, mas não
na busca de justiça.
A frase "em matéria de justiça alguns são mais iguais que os outros"
diz o oposto do que sugere. Na vida
sempre se encontra aqueles cujas
oportunidades os levam, independentemente do que fizerem, a se diferenciar dos outros, sem dar a impressão de que a distinção existe,
para eles, na justiça das vantagens.
O pensador francês Jacques Derrida, em poucas palavras, destacou
a dificuldade conceitual na abertura de seu livro "Força de Lei" (coleção "Tópicos" da Martins Fontes,
145 páginas), ao dizer da "ausência
de regra, de norma e de critério seguro para distinguir, de modo inequívoco, direito e justiça".
Embora essas questões possam
ser ilustradas com maior facilidade
nos campos do esporte, das artes
(por que Mozart foi tão superdotado e Salieri não?), elas valem para
todas as pessoas. Acentuam a mentira da igualdade de todos perante a
lei. Pavarotti terá sido tão aquinhoado pela natureza, independentemente da força de seu caráter, dos duros ensaios, das viagens
exaustivas, das lutas que o levaram
à consagração ou foram apenas
seus dotes que o afirmaram como
"il tenorissimo" e, depois, verdadeiro "pop star" de nossa época?
A ordem jurídica se concretiza na
abertura de oportunidade para todos de terem ou de alcançarem tudo o que for de seu direito. Isso, é
óbvio, quando se disponham aos
sacrifícios vindos com a disputa de
um lugar ao sol, nos limites de cada
um. O leitor lembrará casos em que
as benesses caem de mão beijada
para os favorecidos. A lei e sua força
se enfraquecem quando se desloca
o foco para a justiça, até porque a
avaliação desta requer cuidado e
discernimento, para colocações
objetivas. Trago um exemplo fora
do contexto: a Lei de Imprensa, durante a ditadura, assegurava plena
liberdade de expressão, a todos (artigo 1º), mas o direito era pura ficção. Vivia-se, então sob o ato institucional nº 5, pelo qual o detentor
da força mudava a lei na medida de
sua conveniência. O direito era injusto por si mesmo.
Voltemos a Pavarotti. Num universo com milhares de tenores é
possível que alguns deles tenham
tido mais qualidade vocal que o
cantor recém-falecido. Muitos terão partido para a luta (leal e deslealmente, diga-se), afastando oponentes, abrindo caminho. O sentimento de justiça, que é de limpeza
espiritual, quer igualdade plena,
mas também reconhece o afastamento da maioria, indisposta para
o sacrifício do trabalho incansável.
Derrida tem razão: não há critério bom para distinguir o direito e o
justo, acima de qualquer dúvida objetiva. Mesmo assim, é possível
sentir a distinção. Intuí-la. Há os
ungidos. Há os destinados a ficar
para trás. Não significa que aqueles
são melhores do que estes. Podem
sê-lo para a justiça. Não para o direito. Derrida cita Pascal: "É justo
que aquilo que é justo seja seguido;
é necessário que aquilo que é mais
forte seja seguido". Que cada um
interprete a citação como quiser.
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