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DANUZA LEÃO
Quanta mesmice
Com tanta civilização, ninguém sabe o que o
outro pensa sobre a vida
e as coisas do mundo
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PARA QUE serve ser civilizado?
Para não sair agredindo as
pessoas -como aliás tantas
vezes se tem vontade-, arrancando
os brincos que gostaríamos de ter
das orelhas de outra mulher, puxando os cabelos daquela que ousou
olhar para seu amado fixamente, para não se atirar no pescoço dos homens que acha irresistíveis e, no caso deles, não sair por aí atacando as
moças a torto e a direito.
Ser civilizado é saber que existem
leis para frear nossos impulsos mais
primários, leis que quando são quebradas acabam em escândalo e cadeia, pelo menos para os pobres.
Mas existe um problema, entre
pessoas civilizadas: de tão civilizadas, elas acabam todas iguais. Afinal,
a educação, os bons modos, o traquejo, a cortesia, as boas maneiras,
nivelam as pessoas -por cima, mas
nivelam. Como saber com que tipo
de pessoa você está lidando se, pelo
menos aparentemente, ela não se altera, não se irrita, não se enerva e
tem sempre uma paciência infinita
para lidar com os problemas?
Quanto mais civilizadas são, mais
parecidas são.
Pense um pouco: se você freqüentar sempre um mesmo grupo, vai
perceber que os homens se vestem
da mesma maneira, bebem a mesma
bebida, freqüentam os mesmos restaurantes e passam férias nos mesmos lugares.
Todos têm o mesmo
sonho de consumo: ter um apartamento em Nova York ou Paris, se
possível no mesmo bairro, se possível no mesmo quarteirão, se possível
no mesmo edifício, para viajarem na
mesma época e se encontrarem para
falar sobre as mesmas coisas. Os filhos freqüentam as mesmas escolas,
se casam entre eles e os casais só
praticam o adultério entre eles.
Quando viajam e conhecem alguns estrangeiros, sempre têm assunto, pois pertencem à mesma casta, e estão sempre ligados nas mesmas coisas; os restaurantes são sempre os mesmos, pois eles sabem de
tudo que se passa no mundo.
Nada, em nenhum deles, é original; dificilmente alguém vai chegar a
um jantar sem sapatos ou começar a
cantar, entre o primeiro e o segundo
prato. Como são muito civilizados,
bem educados e conhecem perfeitamente as regras de etiqueta, que são
sempre as mesmas, nunca acontece
em suas vidas um só momento trepidante. E quando a mulher de um
desses homens tão elegantes e civilizados foge com um guitarrista obscuro, ninguém compreende nada.
Essa padronização, no fundo, é
uma grande muleta; se todos usam o
mesmo relógio, o mesmo terno, a
mesma caneta, ficam seguros e protegidos, e a gente fica pensando: se
acontecesse uma catástrofe que varresse da Terra essas tais muletas e ficassem todos nus dentro de um parque, sem os sinais exteriores que diferenciam as classes, o que fariam
esses homens? E as mulheres, sem
seus tailleurs Chanel e suas bolsinhas Prada? Apenas por curiosidade: de que adiantaria a cultura duramente aprendida de saber comer
com os talheres certos e a diferença
entre um diamante absolutamente
branco e um outro amarelado, conhecer em profundidade a obra de
Proust e a história da França?
Com tanta civilização, as mulheres não conhecem os maridos, os filhos não conhecem os pais e ninguém sabe o que o outro pensa sobre
a vida e as coisas do mundo; a padronização civilizatória é de tal ordem
que acaba ninguém conhecendo
ninguém, e pouquíssimos se conhecem a si próprios.
E um dia a gente vai e morre.
danuza.leao@uol.com.br
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