São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2001

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PASQUALE CIPRO NETO

"Do mediano ao medíocre"

Vai mal o Palestra. Para tristeza de mestre Clóvis Rossi e de outros "parmeristas", já são sete as derrotas seguidas do alviverde, cuja camisa um dia foi vestida por ninguém menos que Ademir da Guia, Luís Pereira e outros deuses da bola, mas hoje é envergada (mais no sentido de "arquear" ou "curvar" do que no de "vestir" ou "trajar") por meia dúzia de pernas-de-pau.
Pois foi exatamente o baixo nível técnico do atual elenco do Palmeiras o que levou Seraphim del Grande (ex-cartola do clube) a dizer, em entrevista a uma emissora de rádio, que "o time de hoje possui jogadores que vão do mediano ao medíocre".
E "mediano" é diferente de "medíocre"? Se valer a etimologia e o que está nos dicionários, não é. No "Aurélio", por exemplo, o primeiro sentido que se dá para "medíocre" é o da terceira acepção de "mediano" ("Que não é bom nem mau; médio, medíocre."). O "Houaiss" confirma isso.
Na prática, porém, a coisa não é bem assim. No uso efetivo -pelo menos no Brasil-, faz tempo que a palavra "medíocre" se distanciou da idéia de coisa média para se aproximar da idéia de coisa muito ruim, abaixo da média.
Como se vê, não é nada fácil a vida dos dicionaristas. Se se prendem à etimologia e ao uso estritamente formal, são criticados. Se não o fazem, são criticados.
Não foi em vão que a última edição do "Aurélio" ("Novo Aurélio Século XXI") trouxe nas páginas introdutórias esta citação de Samuel Johnson (crítico literário e dicionarista inglês do século 18): "Todos os outros autores podem aspirar ao elogio; o lexicógrafo só pode ter esperança de escapar às críticas, e mesmo essa recompensa negativa tem sido concedida a muito poucos". Que o diga o querido Mauro Villar, que fez parte da equipe do "Aurélio" e comandou o monumental "Houaiss".
Voltando ao caso de "medíocre" e "mediano", convém dizer que, além de sinônimas, essas palavras são cognatas, isto é, têm raiz comum, tal qual "belo" e "beleza", "pedra" e "pétreo", "pobre" e "empobrecer", "fera" e "feroz".
Por falar em "fera" e "feroz", é bom lembrar que, assim como muitas vezes o tempo e o uso nos tiram a percepção de que certas palavras são cognatas, a semelhança formal nos faz crer que são cognatos vocábulos que nada têm que ver uns com os outros.
É esse o caso de "feérico" e "fera"/"feroz", separadas semântica e etimologicamente por larguíssimo oceano. Ao pé da letra, quem reage feericamente não reage como fera; reage como fada. O adjetivo "feérico" vem do francês "féerique", que, por sua vez, vem do substantivo "fée" ("fada"). "Feérico" é "o que pertence ao mundo das fadas ou é próprio das fadas; mágico, maravilhoso, deslumbrante". O exemplo que o "Aurélio" dá é "iluminação feérica".
Na prática, porém, esse sentido não "pega". Recentemente, até um de nossos grandes e cultos colunistas usou "feericamente" com o sentido de "ferozmente".
Que fazer? O tempo dirá. Por enquanto, é claro que os lexicógrafos devem privilegiar o significado literal de "feérico". O decorrente da falsa impressão de cognação é outra história. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras E-mail - inculta@uol.com.br



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