São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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INFÂNCIA

Pesquisa da Unifesp mostra que 40% dos entrevistados, de 11 a 18 anos, tiveram mais de dez parceiros; só 45% usam preservativo

Aids também é ameaça para meninos de rua

Patrícia Santos/Folha Imagem
E.S., 16, grávida de quatro meses, vive nas ruas da região central


AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Aids parece ser a ameaça mais silenciosa- e a menos considerada- para os meninos e meninas que, forçados pela miséria e pela violência familiar, trocam suas casas e escolas pela vida nas ruas.
Pesquisa feita com crianças e adolescentes do projeto Quixote, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que 40% das crianças e adolescentes ouvidos relataram ter tido mais de dez parceiros. Entre os entrevistados, 73% eram do sexo masculino.
No grupo, 76% eram sexualmente ativos, 19,2% nunca usavam preservativo e 35,9% usavam irregularmente. Das meninas, 39% haviam engravidado pelo menos uma vez e a idade média de iniciação sexual é de 12,5 anos.
Esse cenário de risco aparece no estudo publicado neste ano como dissertação de mestrado da pediatra Fátima Dinis Rigato. Ela fez a tese em psiquiatria na Unifesp estudando os "fatores de risco entre crianças e adolescentes atendidos pelo projeto Quixote". O Quixote, da própria Unifesp, começou em 94 acompanhando meninos que viviam nos faróis da cidade.
O estudo ouviu 97 crianças e adolescentes, entre 11 e 18 anos, dos cerca de 400 que frequentavam o projeto Quixote, morando ou vivendo em situação de rua.
A mesma pesquisa do projeto Quixote mostrou que 39,7% dos entrevistados mantinham relações com parceiros casuais e 21,9% faziam sexo sob o efeito de droga. Cerca de 10% dos meninos relataram ter relações homossexuais passivas.
Embora nenhum entrevistado estivesse doente de Aids, a combinação de práticas transforma a relação numa roleta russa: um único infectado pode passar o vírus para o grupo em poucos meses.
Vários dos meninos e das meninas mais novas diziam usar a droga para suportar a dor decorrente do ato sexual, seja em casos de abusos pelos mais fortes, seja na prostituição.
Outra surpresa foi a predominância da maconha numa população onde se imaginava que os inalantes eram a droga mais utilizada. De 290 crianças pesquisadas, cerca de 76% disseram ter usado algum tipo de droga. Cerca de 66% tinham fumado maconha, contra 35% que usaram cocaína.
O sociólogo Mário Mendes Raucci, que defendeu sua tese na USP e estudou a "socialização e sobrevivência" dos meninos de rua em São Paulo, também ouviu 97 crianças e adolescentes, de uma amostra de um total de 498 meninos e meninas entre oito e 18 anos que moram na rua.
Os dois trabalhos levam a uma conclusão que pode parecer óbvia, mas que ainda não foi devidamente considerada pelo poder público: o fato de a violência da família empurrar os meninos para a rua e, de tal forma, que nem a escola consegue cativá-los.
A violência, nesse caso, é física, sexual e aquela provocada pela miséria -a fome, a precariedade da moradia e a falta de opção de lazer. "Cerca de 60% deles já tinham sofrido abuso físico e 17%, abuso sexual em suas casas", diz o psiquiatria Dartiu Xavier da Silveira, que orientou o trabalho de Fátima Rigato.
Há, especialmente, o que Raucci chama de "densidade moral negativa". Uma cobrança da família que a toda hora lembra que ele está na "vagabundagem" e que pode acabar na cadeia. O dinheiro que arrecada na rua, de R$ 250 a R$ 300 por mês, desaparece se for levado para a casa. As famílias de onde saíram têm, em média, 6,4 pessoas por habitação, e a renda é de 2,5 salários mínimos.


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