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São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 2003

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INFÂNCIA

Fazia um mês que policial atuava nas ruas do Rio; mãe diz que garoto nada fez, e polícia não sabe explicar crime

PM Cunha, 19, mata pelas costas Walace, 11

Marco Antonio Rezende/Folha Imagem
A mãe de Walace, Sandra Lúcia Silva de Souza (com a mamadeira na mão), mora com seus filhos sob os Arcos da Lapa (centro do Rio)


SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

A morte do menino Walace de Souza, 11, na tarde de anteontem com um tiro nas costas, é mais uma prova de dois graves problemas enfrentados pelo Rio de Janeiro e pelas grandes cidades do país: a desestruturação familiar causada pela miséria e o despreparo da polícia.
Segundo a Polícia Civil, o tiro que matou Walace foi disparado pelo policial militar Diogo da Silva Freire Cunha, de apenas 19 anos, soldado do 13º batalhão.
O menino vivia com a mãe e oito irmãos embaixo dos Arcos da Lapa, no centro da cidade. Não estudava e viveu nas ruas durante seus 11 anos de vida. Seu irmão mais novo acaba de completar dois meses. O mais velho tem 19.
A família de Walace sobrevive de pedir trocados nas ruas e da venda de latas de alumínio. A mãe, Sandra Lúcia Silva de Souza, 42, viúva há um mês, contou que há dez anos mora embaixo dos Arcos. "Eu tenho uma casa, no Santo Cristo [centro", mas os meus filhos não gostavam de ficar lá e moravam na rua. Então, eu vim para cá com eles." Dos nove filhos, quatro nasceram na rua.
O PM Cunha é de Guadalupe (zona norte). Estava há apenas um mês na rua. Ele se formou em dezembro passado, após nove meses de treinamento, sendo três de aulas práticas. O treinamento prático consiste somente em aulas de tiro. Não há preparo para abordagem de meninos de rua.
Conforme relato de parentes, a mãe de Walace pediu que o filho comprasse leite para seu irmão mais novo, num bar perto dali, por volta das 17h30 de anteontem.
Walace saiu com um amigo, Tiago. Nesse momento, o policial teria gritado para que os dois parassem. Assustados, eles teriam corrido, e Cunha disparado duas vezes. Um dos tiros acertou Walace nas costas. "Eu vi o PM correndo atrás dos dois e gritei para eles se abaixarem, mas não adiantou, porque tudo aconteceu muito rápido", contou Sandra.
O PM avisou ao batalhão e pediu que um carro buscasse o menino para levá-lo ao hospital Souza Aguiar, onde já chegou morto. Depois, foi até a 5ª Delegacia de Polícia prestar declarações.
Segundo o delegado Nerval Goulart, o soldado contou que os tiros partiram de um carro. Peritos da Polícia Civil, no entanto, já haviam vistoriado o local e descoberto que as duas balas disparadas eram de pistola calibre 40, a mesma utilizada pela PM.
Imediatamente, o delegado deu voz de prisão a Cunha, sob a acusação de homicídio qualificado (com intenção e sem dar chance de defesa à vítima) em flagrante. Ele está preso no batalhão.
"Depois ele acabou confessando, extra-oficialmente, o que havia feito, que tinha atirado", disse o delegado. Mas, no boletim de ocorrência, o soldado declarou que "estava muito perturbado e sem condições de falar, que não sabe o que fez, que não teve a intenção de matar, nem de ferir ninguém, e que não se lembrava do que tinha acontecido".
Na opinião de Goulart, o PM é despreparado. "É claro que ele teve a intenção de matar, se não teria atirado para o alto."
Além do inquérito policial, o comandante do 13º batalhão, coronel Sidnei Coutinho, abriu uma sindicância interna para apurar os fatos. "O PM só pode abordar um menino de rua, se ele estiver cometendo algum ato infracional. Fora isso, sua única função é de dar apoio a órgãos que lidam com essa população, quando solicitado. E, mesmo nesses casos, nós escolhemos os policiais a dedo, porque é preciso muito discernimento sobre quando e como usar a arma", disse Coutinho.
Para ele, a morte do menino foi uma "fatalidade, mas um ato isolado que não reflete o comportamento dos policiais".
Até a conclusão desta edição, o corpo do menino, permanecia no IML (Instituto Médico Legal), porque a família não tinha dinheiro para enterrá-lo.


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