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DATA VENIA
Hediondos
ROBERTO DELMANTO
Segundo Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira ("Novo Dicionário da Língua Portuguesa"), o
termo "hediondo" tem, entre
outros, os significados: "sórdido", "imundo", "repelente",
"repulsivo" e "horrendo".
Em nossa legislação, ele apareceu, pela primeira vez, na Constituição da República de 1988, que,
em seu artigo 5º, inciso 43, dispõe
serem "insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos".
Indo além do preconizado pela
Carta, a lei nº 8.072/90, em seu art.
2º, após reafirmar serem os crimes
hediondos insuscetíveis de graça
ou anistia, tornou-os também insuscetíveis de indulto (inc. 1, última parte), fiança e liberdade provisória (inc. 2). O parágrafo 1º desse artigo estabeleceu ainda que a
pena desses delitos será cumprida
em regime fechado.
No que concerne à proibição de
liberdade provisória durante o
processo, os doutrinadores se manifestam no sentido da sua inconstitucionalidade, posto que
violadora da garantia da presunção de inocência, representando
essa vedação, despida de cautelaridade, inadmissível punição antecipada. Todavia, tal posicionamento não tem encontrado guarida em nossos tribunais, com exceção de poucos e eruditos votos em
sentido contrário.
Portanto, um acusado de crime
hediondo, se preso em flagrante,
inexistindo nulidades no respectivo auto, permanece nessa condição até, pelo menos, a prolação da
sentença, na qual, se condenatória, "o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade" (parágrafo 2º do art. 2º
da lei nº 8.072/90).
Quanto à proibição de progressão de regime (do fechado para o
semi-aberto e deste para o aberto)
pela Lei dos Crimes Hediondos, a
doutrina se posiciona também pela sua inconstitucionalidade. É
inegável que a individualização da
pena abrange a fase de execução.
Mais recentemente, com a edição da Lei da Tortura (nº
9.455/97), que prevê para esse crime somente o início do cumprimento da pena em regime fechado
(parágrafo 7º do art. 1º), não vedando, portanto, a progressão de
regime, a questão se reacendeu.
Acórdãos brilhantes do STJ vêm
sustentando que, se a Constituição
prevê tratamento unitário para os
crimes hediondos e a tortura, a
permissão da progressão de regime para esta concedida não pode
ser àqueles negada. Entretanto, a
jurisprudência majoritária admite, até agora, o regime fechado integral para os crimes hediondos.
Assim, os condenados por esses
delitos vêm cumprindo suas penas
integralmente nesse regime, nas
medievais e vergonhosas prisões
brasileiras, no aguardo, quiçá, de
uma única benesse: o livramento
condicional após o cumprimento
de mais de dois terços da pena
(CP, art. 83, inciso 5).
Diante desse quadro, verifica-se
que nossas leis, ao negarem a liberdade provisória para os acusados de crimes hediondos e a progressão de regime para os por eles
condenados, têm, lamentavelmente, a pretexto de coibir os delitos hediondos, adotado práticas
processuais e de execução que,
descendo ao mesmo nível moral
daqueles delitos, são igualmente
hediondas, na acepção que nos
dão os léxicos, com a agravante de
seu autor ser o próprio Estado.
Roberto Delmanto, 55, é advogado criminalista. Foi vice-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (1992-93) e membro do
Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária (governo Quércia).
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