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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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DESIGUALDADE

Comparação entre duas favelas, uma na zona sul e outra na região central, identifica privações específicas

Estudo mapeia faces diversas da pobreza

DA REDAÇÃO

Zona sul de São Paulo, estrada do Embu-Guaçu, 10h de uma quarta-feira ensolarada. O motorista avisa que vai entrar na ladeira esburacada à esquerda. Pede a todos que se segurem. Ele pisa forte para que o veículo não fique patinando no meio do caminho.
Por uns 50 segundos, tempo necessário para completar a subida, há uma sucessão de solavancos. "Desculpem, de outra forma não chegaríamos até aqui."
Já fora do carro, constata-se que a rua está quase vazia. Três homens estão sentados na mesa de um bar. Bom dia. Bom dia. Continuamos a subida do morro a pé.
Um barraco aqui, outro ali, terrenos com mato. Silêncio. Ouve-se o barulho do vento. Quase silêncio. Ao longe, baixinho, escuta-se uma música: "A eguinha pocotó, pocotó, pocotó..."
Tudo muito calmo. "Isso aqui parece um interiorzão", diz Beatriz Giosa, 44, diretora de Assistência Social do Jardim Ângela, que tem 73,7% de sua população em áreas de alta privação social.
Na região onde se encontra a favela Bananal, no extremo sul do distrito, há focos de altíssima privação social. "A prefeitura tem uma entrada recente nessa área. A maioria aqui não tem trabalho. Vive de "bicos" e doações."
Vamos nos encontrar com a líder comunitária Cleuza Gomes da Silva, 43. Ela estava nos esperando porque havia sido avisada por telefone. Algumas moradias têm telefone, mas o correio não sobe o morro. Ao lado do espaço comunitário, escondida pelo mato, há uma pequena horta, iniciativa de um programa da prefeitura.
Além da visita dos agentes comunitários de saúde, o governo municipal organiza oficinas de ambiente (trata-se de uma área de manancial, que por lei não pode ser urbanizada), de artesanato e de alimentação alternativa.
Chegamos até a casa de Maria Madalena Del Isola, 59. Ela está há pouco tempo no local. Era moradora de São Miguel (zona leste). Mudou-se para a favela para fugir do aluguel, mas não poderá ficar na habitação de alvenaria, que corre risco de desmoronamento.
São cinco mulheres e duas crianças no cômodo único. Duas netas de Maria -Tatiele, 18, e Aline, 16- não estudam porque temem andar à noite na região. A caminhada até a escola do ensino fundamental dura 40 minutos.
Não há escolas nem creches perto da favela. "O filho maior cuida do menor", explica a líder comunitária. Assim como o posto de saúde, distantes estão também as oportunidades de emprego.
Não há transporte público que adentre a Bananal. Há deficientes na região. Marineuza Ferreira da Silva, 38, tem duas filhas com deficiência física. "Elas estão crescendo, e é difícil subir o morro com alguma delas no colo."
Aproximadamente mil famílias moram na Bananal. Não há rede de esgoto -somente fossas primitivas. O lixo é jogado por cima do muro alto de um terreno vizinho à favela. Quando o cheiro fica forte, os moradores ateiam fogo.
Mas a privação, se é um mal, assim como ele não é algo absoluto: água e luz chegam de graça por intermédio de redes clandestinas.

Privação no centro
Encontro dos rios Tamanduateí e Tietê. Bom Retiro, zona central. Uma quinta-feira cinza. A assistente social Cleide Leonel Amaro Mendes, do Centro de Referência Sé, aproveita a visita à favela do Gato, classificada como área de alta privação, para procurar uma moradora chamada Seara, que andava gravemente doente.
Ao longo do caminho estreito, entre barracos de madeira, ninguém sabia do paradeiro da mulher. "Tem muita rotatividade aqui", comenta Cleide.
Alguns barracos têm um andar superior. "É bom no caso de enchente", explica uma moradora. O mau cheiro que vem do rio não cessa e parece impregnar tudo.
As condições são insalubres. Mas, ao contrário do que ocorre na favela Bananal, há creche, escola e posto de saúde próximos. O moradores pagam pela luz e pela água. Inserção social tem preço.
Programas de renda atendem parte das mais de 300 famílias. Marta Soares Frederico, 51, viúva, moradora do barraco 198-A, não se entusiasma com o auxílio em dinheiro. Quer ganhar por ela mesma. Catadora, ela sonha em se aperfeiçoar. Quer aprender a fazer reciclagem de lixo. Marta de Moraes, 54, do barraco 198, também é catadora. O seu desejo mais premente é encontrar tratamento para o companheiro, que tem problemas com o álcool.
A prefeitura tem um projeto para a favela do Gato. A previsão de entrega dos conjuntos habitacionais, em fase de licitação, é junho de 2004. (EDNEY CIELICI DIAS)


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