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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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NO ORIENTE

Diplomata aponta crescimento do envolvimento de nipo-brasileiros que vivem no Japão com ações criminosas

Jovem dekassegui vira caso de polícia

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

É Tóquio, mas parece São Paulo.
"Brasileira é sequestrada e algemada", grita a manchete do "International Press", um dos dois jornais (semanais) escritos em português e dedicados aos brasileiros residentes no Japão.
Ecoa o "Jornal Tudo Bem", o outro semanário: "Menor atropela e mata japonês".
Em ambos os casos, o autor do crime era dekassegui, a designação, já com carga pejorativa, dada aos 266.962 brasileiros descendentes de japoneses registrados nos consulados de Tóquio e Nagóia até o fim de 2001 (hoje, calcula-se que sejam 274 mil).
Dekassegui, originalmente, era o termo para rotular moradores das partes mais frias do Japão que buscavam uma temperatura menos inclemente e, principalmente, algum dinheiro trabalhando em Tóquio para depois voltar às origens. Poderia ser livremente traduzido por "sair para faturar" (e, depois, voltar, claro).
Os dekasseguis nipo-brasileiros não fugiram do frio, mas das recorrentes crises econômicas no Brasil e da falta de perspectivas.
A onda começou no fim dos anos 80 e cresceu em 1990, com a modificação da lei japonesa de imigração, que concedeu o status de "residentes por longo período" para os nikkeis (descendentes de japoneses). Com esse rótulo, podem trabalhar sem restrições.
O Japão estava no fim do que se chamaria "bolha" de crescimento econômico. Parecia o paraíso.
Até foi, para a maioria dos 400 mil dekasseguis, se computados também os 140 mil que retornaram ao Brasil ao longo dos anos.
Mas paraíso algum na Terra é perfeito. "Muita gente acha que a solução para seus problemas está no exterior, quando, na verdade, ir para o exterior é o começo dos problemas", diz o embaixador do Brasil em Tóquio, Ivan Cannabrava, 35 anos de Itamaraty.
Tóquio também é São Paulo na causa central que remete muitos dekasseguis para o noticiário policial, quase todos jovens: é a falta de preparo e, por extensão de perspectivas, como ocorre na periferia das cidades brasileiras.
"As crianças com dificuldades acabam abandonando a escola, o que reflete diretamente na delinquência juvenil, que começa a preocupar a todos", diz Masato Ninomiya, professor da Faculdade de Direito da USP e presidente do Centro de Informação e Apoio ao Trabalhador no Exterior.
Calcula-se que de 10 mil a 15 mil crianças abandonaram a escola, número que ajuda a entender porque 2/3 dos dekasseguis com problemas policiais são jovens, segundo a embaixada brasileira.
Sete deles tinham passagens pela Febem, o que torna inexplicável como obtiveram o visto de entrada no Japão, em tese só concedido após rigorosa triagem.
O divisor de águas parece estar nos 10 anos. Quem chega ao Japão com menos do que essa idade, adapta-se mais facilmente. Mais que isso já começa a causar problemas ao atingir a adolescência sem formação e sem integração.
"Houve um aumento expressivo no número de brasileiros envolvidos em crimes no Japão", testemunha Francisco Carvalho Chagas, o diplomata responsável pela atenção à comunidade brasileira na embaixada de Tóquio.
Foram brasileiros que inauguraram um delito quase raro no Japão: o furto de toca-fitas.
A diferença, fundamental, é que todos os que saem do Brasil para o Japão o fazem para escapar dos problemas inerentes à vida em um país turbulento economicamente, muito desigual socialmente e com poucas oportunidades.
"Se o Brasil voltar ao círculo virtuoso (econômico), os dekasseguis poderão voltar ao país de origem", torce Shigeaki Ueki, que foi ministro de Minas e Energia no governo Ernesto Geisel.
De fato poderão. O problema é saber se querem ou não. Os sinais indicam que não. Em janeiro, por exemplo, aumentou o número de brasileiros desembarcados no Japão. É aumento sazonal, mas, pelo menos no caso deles, desmente o slogan do PT segundo o qual "a esperança venceu o medo".


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