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AIDS
Programa do Ministério da Saúde terá como alvos os serviços de saúde, os professores, além dos próprios homossexuais
Travestis têm primeira campanha dirigida
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
As travestis formam o grupo
mais excluído e discriminado da
sociedade. Só aparecem à noite,
em locais pouco iluminados, onde podem encontrar clientes e escapar do preconceito das pessoas.
Neste ano, pela primeira vez no
Brasil e "no mundo", o Programa
Nacional de DST-Aids está lançando uma campanha destinada
a "elas" (chamá-las no feminino,
pelos nomes que adotaram como
travestis, é a primeira atitude de
respeito que exigem).
Para criar a campanha, o programa reuniu 27 lideranças dos
principais grupos travestis do
país. Os encontros ocorreram em
2003. Seis meses depois, quando o
cartaz saía da gráfica, três das 27
travestis já tinham morrido.
Charla, 42, que fundou e dirigia
o grupo Charlath's, morreu em 11
de dezembro, vítima da Aids. Seu
companheiro por 18 anos, João
Carlos Mendes de Menezes, 42,
continua dirigindo a ONG que
reúne semanalmente 15 "moças"
para o "chá das travestis". A sede é
sua própria casa, em Cidade Nova, região central do Rio.
Janaína Dutra, 43, que presidia a
Associação Nacional de Transgêneros (Antra), morreu em 8 de fevereiro, vítima de câncer no pulmão. Sara Brightman, 35, que dirigia o grupo das travestis de
Cuiabá, morreu há dois meses,
quando fazia uma aplicação
"clandestina" de silicone".
"Dignidade na pista"
O programa de DST/Aids do
Ministério da Saúde já financiou
47 projetos dirigidos às travestis,
dos quais 19 estão em andamento.
Tratam de prevenção e pregam o
conceito de identidade e inclusão
social. É um desafio enorme para
um grupo que só aparece em Carnavais e nas páginas de polícia dos
jornais. Mais de 95% das travestis
vivem da prostituição. "É a população que mais se esconde, nem
sabemos quantas somos", diz
Marcela Prado, 42, do grupo Dignidade, de Curitiba, e que preside
a Antra, depois de Janaína.
As poucas que conseguem trabalho estão em salão de cabeleireiros, mas raramente uma empresa contrata um travesti.
Janaína Lima, 32, coordenadora
de travestis do Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual, de
Campinas, criou o projeto "Cidadania na Pista". "Queremos o respeito na rua. E queremos que elas
tenham chance de escolher o que
fazer", diz Janaína. "Não estamos
querendo tirar ninguém da rua,
estamos trazendo as meninas para um convívio social e de respeito
que elas perderam."
Imaginar alguém que durante o
dia se veste como homem e à noite sai como travesti é um fato inconcebível para elas. "Não há travesti meio-expediente. Travesti é
uma identidade, não uma fantasia", diz Janaína Lima.
Para entender esse universo, a
Coordenação Nacional de DST/
Aids trabalhou durante seis meses
com as lideranças. O resultado foram três trabalhos: um para os
professores, outro para os serviços de saúde e um terceiro para
elas próprias.
"A violência contra elas começa
em casa", diz Liliana Pitaluga, assessora técnica do programa nacional. "A família é a primeira a
nos espancar, a nos ignorar e a
nos jogar na rua", diz Marcela
Prado. "Depois é a escola, onde
ninguém nos respeita. Há uma
grande evasão de travestis das escolas, nem os outros alunos, nem
os professores nos aceitam. Depois é o mercado de trabalho, que
não nos aceita. Há muitos travestis com curso superior e que não
conseguem emprego. Sobram os
salões de beleza e a prostituição."
Banheiro feminino
Os cartazes produzidos pelo ministério e as travestis trazem as fotos de 27 delas e uma frase chave:
"Travesti e respeito: já está na hora de os dois serem vistos juntos.
Em casa. Na boate. Na escola. No
trabalho. Na vida."
Trata-se de uma reivindicação
muito longe de ser atendida. Ainda há confusão entre os termos e a
travesti é vista com discriminação
e gozação. "Por causa dos preconceitos, as travestis são hoje o grupo mais vulnerável, em todos os
sentidos", diz Pitaluga. "A maioria delas não procura os serviços
de saúde para orientação e prevenção. Nos hospitais, elas só entram pelo pronto-socorro, quando alguma coisa grave acontece. E
os profissionais de saúde não estão preparados para recebê-las."
É comum, nas salas de espera
dos ambulatórios, por exemplo, a
travesti ser chamada pelo nome
de batismo. "Sebastião de Souza",
diz a recepcionista. E levanto eu,
travestida de mulher", diz Liza
Minelli, do Grupo Esperança, de
Curitiba. "Queremos ser chamadas pelos nomes de travestis. Não
queremos ser tratadas como
doentes nem como mulheres."
A cartilha e a campanha do Ministério da Saúde lembra que as
travestis têm o direito de usar o
banheiro feminino.
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