São Paulo, quarta, 23 de abril de 1997.

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BARBÁRIE
Segundo depoimento de acusado à polícia, grupo comprou álcool em posto de combustível para queimar vítima
Jovens premeditaram ataque a índio

Xandó Pereira/Folha Imagem
Índios carregam o caixão de Galdino dos Santos na área pataxó em Pau Brasil, sul da Bahia


WILLIAM FRANÇA
da Sucursal de Brasília

O incêndio que provocou a morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, 44, foi premeditado e preparado durante quase duas horas, segundo depoimento prestado à polícia pelo menor G.N.A.J., 16.
O garoto fazia parte do grupo que incendiou o índio na madrugada de domingo, em Brasília.
Afastado dos outros quatro jovens acusados pelo crime, que são maiores de idade, G.N.A.J. foi levado à Delegacia da Criança e do Adolescente sem ter tido tempo de combinar o que falaria à polícia com os demais.
Em seu depoimento aos policiais, poucas horas depois de ser detido -ao qual a Folha teve acesso ontem-, G.N.A.J. contou com detalhes como os cinco rapazes decidiram colocar fogo no índio, que pensavam ser um mendigo, e como fizeram isso.
Pelo fato de o acusado ser menor de idade, o documento com o depoimento de G.N.A.J. não pode ser divulgado. A Folha teve acesso a uma cópia dele.

`Susto'
Segundo o relato do menor, os cinco jovens viram o índio dormindo numa parada de ônibus às 3h40 de domingo e decidiram atear fogo a ele.
``Surgiu a idéia de dar um susto naquele indivíduo'', afirmou o adolescente.
Sem ter no momento meios para executar o plano, o grupo foi ao Posto Cascol, na quadra 405 Sul, distante dois quilômetros e meio da parada de ônibus, e comprou um litro de álcool -na forma de combustível para carros.
Para isso, foram usadas algumas moedas que estavam no carro e uma nota de R$ 1.
O litro de álcool (R$ 0,662) foi colocado numa embalagem de óleo lubrificante -que custa entre R$ 2,30 e R$ 2,90.
De posse do álcool, o grupo retornou à parada e deixou o carro a uma distância aproximada de cem metros, escondido atrás de um prédio.
Às 5h10, os cinco checaram se o índio -que eles pensavam ser um mendigo- ainda estava dormindo. Segundo todos os depoimentos, inclusive o do menor, Eron Chaves Oliveira, 19, jogou então o álcool sobre ele.
Foram jogados fósforos acesos sobre o índio. O menor afirmou à polícia que não fez nada, apenas assistiu à cena.
No depoimento à polícia, Eron afirma que G.N.A.J. também derramou o líquido sobre o mendigo.
Segundo o relato do menor, nenhum deles esperava ``que o fogo subisse tão rapidamente''. ``Devido ao susto, ninguém socorreu a vítima'', afirmou G.N.A.J., ao justificar o fato de todos eles saírem correndo.
Uma testemunha correu atrás do grupo e teve tempo de anotar a placa do carro, o Monza JDQ 5807.
O carro, de propriedade da mãe de Max Rogério Alves, Maria da Conceição Alves, tinha um adesivo no pára-brisas indicando ``Ministério Público Federal - Procurador da República''.
Investigação
A polícia pretendia ouvir ainda ontem à noite os frentistas que estavam de plantão no Posto Cascol, na madrugada do crime.
Eles são conhecidos como Fonseca e Freire.
Para a polícia, a premeditação do crime incluiu ainda a troca de carros por várias vezes. Pelo menos seis veículos foram usados pelo grupo, em vários momentos.
Na primeira fase da investida noturna havia um sexto integrante, citado apenas como Otávio, que desistiu de continuar. Ele acompanhava o grupo desde o bar Ministério do Chopp, no Centro Comercial Gilberto Salomão (no Lago Sul, bairro nobre de Brasília).
Otávio participou apenas da reunião na lanchonete Sky's, na SQS 312, de onde o grupo saiu pelas ruas de Brasília, de madrugada -segundo Max, ``a fim de encontrar algo interessante a fazer''. Foi Max Alves quem dirigiu três dos carros envolvidos.


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