São Paulo, sábado, 23 de abril de 2005

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JUSTIÇA

Promotora diz que cartas enviadas por menina mostram que não houve estupro

TJ do Rio Grande do Sul veta aborto em garota de 14 anos

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio de liminar, proibiu ontem que a jovem de 14 anos que diz ter sido vítima de estupro realize um aborto em qualquer hospital do Estado.
A garota, com dez semanas de gestação, afirma ter sido violentada por um capataz da fazenda de sua família (que se dedica à pecuária). A decisão da Justiça teve como base cartas, apresentadas pela Promotoria, que mostrariam que a jovem tinha um envolvimento amoroso com o capataz.
A menina conseguiu, em Porto Alegre, um hospital onde poderá realizar a cirurgia. O indicado pelos médicos é que isso ocorra até a 20ª semana de gestação.
A decisão que impediu a intervenção médica foi concedida pelo desembargador Antônio Carlos Stangler Pereira. O caso ainda será analisado pela câmara cível especializada na área de família, para confirmar ou não a decisão.
O advogado da família da menina, Décio Lahorgue, entrou ontem mesmo com um agravo regimental para derrubar a liminar. O pedido, porém, foi rejeitado.
O aborto havia sido autorizado pela 2ª Vara Cível de Bagé, que estendeu a realização da intervenção para hospitais de Porto Alegre e Pelotas. A decisão foi motivada depois que médicos, em Bagé, negaram-se a realizar a cirurgia alegando razões éticas e religiosas.
Quando ocorreu o ato sexual, a menina tinha 13 anos. Segundo o artigo 224 do Código Penal, há o ""estupro presumido". ""Presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos", diz a lei. Há, porém, diferentes interpretações.
As cartas para o capataz foram apresentadas pela promotora Maria Cougo Oliveira, de Bagé. Ela diz acreditar que ""não houve violência contra a menina".
A promotora classifica as cartas como ""de amor" e diz que, quando foi mencionada a possibilidade da prisão, a garota chorou. Segundo ela, a menina está sofrendo pressão da família para abortar.
O caso se tornou público quando a família da menina, com decisão judicial em mãos permitindo a interrupção da gravidez em razão de estupro, teve o pedido negado em Bagé por médicos e pela Santa Casa de Misericórdia.
A família tentou fazer a cirurgia duas vezes na Santa Casa de Misericórdia: uma após registrar a ocorrência na polícia e outra, na segunda-feira, quando o juiz José Antônio Prates Piccoli permitiu o aborto. Casado e com filhos, o capataz já se manifestou contrário ao aborto. Ele disse em depoimento que teve relações sexuais com a menina, mas sem violência.
A mãe da menina se diz arrependida de não ter procurado uma clínica clandestina.
Para Jorge Andalaft Neto, presidente da comissão de violência sexual e aborto legal da Febrasgo (federação que representa as associações de ginecologia e obstetrícia), decisões como essa reforçam a opção pela clandestinidade.
Legislação
Relações sexuais entre adultos e adolescentes ou crianças devem virar outro tipo de crime, segundo um projeto de lei aprovado no Senado e em tramitação na Câmara: estupro de vulneráveis" -violência contra menores de 14 anos ou quem não tenha discernimento do ato. Proposto pela CPI da Exploração Sexual, ele inclui a instituição de ação penal pública para crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Hoje, a investigação exige queixa privada.
Há entendimentos diferentes. Em 1996, o STF absolveu um encanador de crime de estupro depois de a acusadora, de 12 anos, dizer que a relação foi consentida.


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