São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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EPIDEMIA

Governo de SP e prefeituras dizem que gasto federal é insuficiente para evitar a explosão da forma mais grave da doença

Falta de verba ameaça controle da dengue

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

A escassez de verbas federais compromete as ações de combate à dengue no Estado de São Paulo. A constatação é de prefeituras, do governo estadual e do próprio Ministério da Saúde. Secretários municipais de Saúde e o Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado avaliam que há risco de explosão da dengue hemorrágica se essa situação perdurar.
Para o governo estadual, São Paulo merece pelo menos mais R$ 30 milhões anuais. O governo federal diz que a má situação financeira de algumas cidades poderia ser atenuada com uma divisão melhor do dinheiro entre Estados e municípios.
Os casos de dengue não param de crescer desde 2001. As dez cidades que concentram 80,6% dos casos no Estado recebem somente 9,8% da verba da PPI-ECD (Programação Pactuada Integrada de Epidemiologia e Controle de Doenças), destinada às cidades para controle de doenças que podem provocar epidemias.
A verba federal é de R$ 62,7 milhões (investimento anual). O Estado e os municípios são obrigados a dar uma contrapartida total de R$ 32,7 milhões.
Embora a verba saia do ministério para mais de cem atividades, como combate a doença de Chagas e malária, vacinações e controle de outras doenças, na prática tudo o que chega ao Estado é consumido pela dengue, especialmente para pagamento de pessoal. Mesmo assim, e apesar das contrapartidas, a verba é insuficiente, segundo os municípios.
As prefeituras dizem ser obrigadas a recorrer aos próprios cofres para complementar a diferença entre o que é repassado e o que é necessário. As outras atividades às quais a verba se destina, afirmam, também são cobertas.
Até o último dia 17 já tinham sido registrados neste ano em São Paulo 30.288 casos da doença, quase 60% do recorde histórico de 51.472 doentes do ano passado.
Com três dos quatro diferentes sorotipos da dengue em circulação no Estado, especialistas acreditam que a perspectiva para o ano que vem -caso as ações de controle não sejam bastante intensificadas- é de uma epidemia de dengue hemorrágica, forma da doença que pode matar.
Neste ano, já houve 13 casos hemorrágicos em São Paulo, com cinco mortes. Em 2001, de cinco doentes, um morreu. Ainda não é possível saber se melhorou a notificação dos casos hemorrágicos ou se é a situação que está pior.
Apesar desse quadro, São Paulo recebe do governo federal, para transferir aos seus municípios, um valor-base de R$ 1,80 por habitante, correspondente ao repassado para Estados como Rio Grande do Sul, onde ainda não há transmissão de dengue. Para outros Estados com transmissão são destinados até R$ 4,08 per capita.
A falta de dinheiro é uma das razões para que São Paulo não tenha atingido nenhuma das projeções de 2001 para controle do mosquito transmissor da doença, diz o governo do Estado.
Das 27 milhões de visitas casa a casa de agentes da dengue previstas pelo Ministério da Saúde para busca e eliminação de focos do Aedes aegypti, só 8,9 milhões (33%) foram realizadas em 2001. Segundo Carmen Moreno Glasser, responsável pela área de controle de vetores da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias), o Estado tem um déficit de mais de mil funcionários na atividade (hoje são 7.312).
Muitas grandes cidades realizaram visitas mas não informaram o Estado, o que também explica o não cumprimento da meta.
A falta de recursos levou secretários da saúde e prefeitos da Baixada Santista a fazer um alerta ao governo estadual na última terça-feira. Representantes desses municípios -que, juntos, têm 65% dos casos de dengue de São Paulo- pediram ao secretário de Estado da Saúde, José da Silva Guedes, mais R$ 6 milhões.
"Do jeito que está, a gente não consegue controlar no ano que vem", afirmou Tomas Soderberg, secretário da Saúde de Santos, cidade recordista em casos de dengue no Estado (7.808 neste ano, até o último dia 17).
O PPI-ECD foi implantado a partir de 2000 dentro das ações de municipalização da saúde. Ele englobou gradualmente o PEAa (Programa de Erradicação do Aedes aegypti), que funcionava por meio de convênios. No PEAa os municípios tinham uma espécie de contrato, com verba "carimbada" para a dengue, e nenhuma autonomia para realizar gastos com outros itens.
Com a PPI-ECD, a verba deixou de ser carimbada e é repassada direto pelo ministério aos municípios para que eles executem as ações. O gestor municipal tem autonomia, mas deve cumprir uma série de metas.



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