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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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MOACYR SCLIAR

O preço da longevidade

 Bordel australiano oferece desconto para aposentados. Pode ser difícil viver apenas de aposentadoria, mas o dono de um bordel australiano quer melhorar a perspectiva para os pensionistas do país e para o seu negócio. Ele espera encorajar a maior frequência de seus clientes mais velhos oferecendo-lhes um desconto. Cerca de 20% dos clientes de fim de semana do bordel são homens com idade suficiente para se aposentar, disse o empresário. "Recebemos muitos idosos, especialmente nos fins de semana. Domingo é normalmente o dia em que os aposentados saem e relaxam", disse o dono do bordel. "Eles vêm nos ver antes de irem aos clubes de golfe." Mundo Online, 16.jun.2003

A notícia de um desconto para idosos frequentadores do bordel teve enorme repercussão, que o dono do estabelecimento tratou de aproveitar. "Em alguns lugares, como no Brasil, estão taxando os aposentados. Nós, não. Nós só queremos melhorar a vida dos idosos", gabava-se.
Mas logo um problema surgiu, na pessoa de um novo frequentador. Um frequentador assíduo; vinha várias vezes por semana, o que atribuía ao abundante uso de Viagra. E, cada vez que vinha, exigia o seu desconto.
O dono do bordel desconfiou. Em primeiro lugar, o sujeito parecia muito mais jovem do que a idade que alegava, 72 anos. É verdade que mostrava um documento de identidade para comprová-la, mas tratava-se de uma identidade estrangeira, que poderia ter sido falsificada. Mais: os idosos que habitualmente frequentavam o bordel, aos domingos, saíam dali para o campo de golfe. O homem, não. O homem ia jogar futebol, esporte pouco apropriado para uma pessoa de idade (verdade que era mau jogador, mas corria os 90 minutos). Pior de tudo, conhecidos garantiam já ter visto o sujeito em outros bordéis, sempre pedindo desconto.
O empresário resolveu investigar o novo cliente. Contratou um detetive particular que, uma semana depois, apresentou seu relatório. O homem tinha de fato 72 anos, mas não estava aposentado; continuava trabalhando, no bar de sua propriedade, onde tinha uma vasta clientela, em sua maioria formada de mulheres (várias das quais eram suas amantes).
O dono do bordel ficou indignado. Estava sendo fraudado, o que não podia tolerar. De modo que, quando no domingo o homem apareceu, lampeiro como sempre, interpelou-o: que história era aquela de se declarar aposentado, quando na verdade continuava na ativa? A princípio o homem negou: não, não trabalhava, estava aposentado, passava o dia em casa. Mas diante das fotos tiradas pelo detetive, que o mostravam no balcão do bar, teve de admitir: sim, ainda trabalhava. E aí fez uma inesperada confissão: na verdade, era o trabalho que lhe dava gosto pela vida. A inatividade não apenas deixava-o deprimido como lhe tirava todo o apetite sexual. Ou seja, só poderia frequentar o bordel se continuasse trabalhando.
O dono do bordel ficou com pena do homem. Chegaram a um acordo: continuava dando desconto, mas, sobre esse desconto, incide uma taxa de 50%. É o preço que o homem paga para continuar trabalhando. O preço da longevidade. E, claro, o preço da tesão.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.

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