São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE BUCAL
Pesquisa do IBGE mostra que quase 20% dos brasileiros nunca foi ao dentista; governo corta investimentos
Mortes por câncer de boca crescem 50%

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Os óbitos de mulheres decorrentes de câncer de boca aumentaram pelo menos 50% em 20 anos no Brasil. Entre os homens (as maiores vítimas), o crescimento foi de 21%.
A estimativa total das mortes feita pelo Inca (Instituto Nacional do Câncer) mostra que houve um acréscimo de 6,9% apenas entre 97 e este ano.
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que muitas dessas mortes poderiam ser evitadas com políticas públicas de promoção da saúde bucal e com visitas regulares ao dentista. Isso permitiria o diagnóstico precoce da doença e aumentaria a possibilidade de sucesso do tratamento.
A pesquisa Acesso e Utilização de Serviços de Saúde do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relativa ao ano de 98, mostra que quase 20% dos brasileiros nunca sentaram em uma cadeira de dentista. A maioria dessas pessoas ganha até dois salários mínimos.

Problema
O oncologista Luiz Paulo Kowalski, especialista em câncer bucal do Hospital do Câncer, diz que o Brasil tem uma das maiores incidências da doença no mundo. Para se ter uma idéia do que isso representa, o Estado de São Paulo, que concentra a maioria das mortes do país, é o terceiro no ranking mundial. Só perde para Índia e França (onde o câncer de garganta também é considerado câncer bucal para fins estatísticos).
Para Kowalski, o governo federal tem uma participação "reduzida" na promoção da saúde bucal do país.
Acompanhamento dos gastos do governo nessa área confirmam isso. Até a década de 80, essa área recebia cerca de 10% dos recursos para atendimento ambulatorial. Em 98, esse percentual caiu para 5,24%.
O cirurgião-dentista Marco Antônio Manfredini, ex-coordenador dos programas de saúde bucal de São Paulo e Santos, diz que os programas de saúde bucal perderam sua fonte específica de financiamento e deixaram de ser prioridade com a criação do Piso de Atenção Básica -a forma pela qual o SUS (Sistema Único de Saúde) financia serviços considerados essenciais.
O efeito disso no Estado de São Paulo, segundo ele, foi a redução da cobertura nos serviços de prevenção. Em 97, 23% da população recebia atendimento preventivo. Em 98, apenas 20%.
O maior problema disso, diz Kowalski, do HC, é que a população mais vulnerável ao câncer bucal é formada por homens com idade superior a 18 anos, consumidores de álcool e cigarro.
"Essa é a população que menos vai a médicos e dentistas", diz ele.
A única forma de fazer os homens procurarem um médico ou um dentista no momento em que identificam alguma ferida na boca, segundo Kowalski, é acostumá-los desde cedo a ir ao dentista e a cuidar da higiene bucal.
Nesse ponto, diz Manfredini, o problema é a oferta e a qualidade dos serviços odontológicos prestados à população mais pobre.
O serviço mais oferecido para adolescentes (a partir dos 12 anos) e adultos ainda é a extração.
O efeito da falta de eficácia dos serviços públicos odontológicos é perverso: essa população compõe a maioria dos doentes de câncer.
Muitos casos chegam a ser causados pela inadaptação de próteses (dentaduras). Elas provocam feridas na gengiva que podem evoluir para a doença.

Hábitos
Levantamento recente do HC mostra que, dos pacientes com câncer bucal que chegam ao hospital, 50% levaram três meses para procurar um médico ou um dentista, apesar de terem uma ferida incômoda na boca.
Os médicos creditam o atraso à negligência do paciente e à falta de oferta de médicos na periferia das cidades brasileiras.


Texto Anterior: Bolsões são contestados
Próximo Texto: Desempregado arranca o próprio dente com alicate
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.