São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


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ESTATÍSTICA OFICIAL
Para pesquisador da Unicamp, IBGE considera atividade caseira de 900 mil crianças como ocupação
Brasil infla dados de trabalho infantil, mostra estudo

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O trabalho infantil caiu no Brasil em 99, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) divulgada na quinta-feira. Mas ele já era menor do que dizem as estatísticas oficiais.
Apesar de esse ser um dos temas mais sensíveis para o governo no cenário internacional, a metodologia do IBGE aumenta o número de crianças trabalhadoras no país.
Em 1998, o Brasil tinha 3 milhões de crianças com menos de 16 anos trabalhando, e não 3,9 milhões como dizia a Pnad daquele ano. Essa é a conclusão de um estudo feito por um dos principais especialistas brasileiros em economia agrícola, o professor da Unicamp José Graziano da Silva.
O "paper" será apresentado no Congresso Mundial de Sociologia Rural, no próximo dia 30.
Graziano demonstra que o método empregado pelo IBGE para classificar pessoas como "ocupadas", por ser muito amplo, infla os dados sobre trabalho infantil.
Essas 900 mil crianças pseudo-trabalhadoras, segundo ele, "são, em geral, filhos de famílias pobres que vivem da atividade agrícola e que desempenham tarefas como cuidar de animais e da horta".
Graziano ressalta que essas não são atividades que impeçam as crianças de ir à escola nem são tão estafantes quanto trabalhar oito horas por dia em uma carvoaria. O lado urbano disso é aquele(a) garoto(a) que, por exemplo, cuida do irmão mais novo.
No estudo, ele reprocessou os microdados da Pnad de 98 segundo o conceito de ocupação do próprio IBGE até 92 (pretende fazer o mesmo com os dados de 99).
Para a Pnad, após a alteração metodológica, é economicamente ativa qualquer pessoa com 10 anos ou mais de idade engajada em qualquer tipo de trabalho, remunerado ou não, por pelo menos uma hora semanal (8 minutos e 34 segundos por dia) na semana em que foi feita a pesquisa.
"Quem vai pescar uma hora por semana é classificado como ocupado para auto-subsistência", exemplifica Graziano. O outro lado dessa moeda, porém, é que as estatísticas de desemprego tendem a ficar subestimadas, porque adultos que não têm ocupações reais nem produzem renda acabam sendo computados como trabalhadores ocupados.
Apesar da tendência de queda do trabalho infantil apresentada nos últimos anos e da superestimação das estatísticas oficiais, o problema é mais restrito ao campo e à atividade agrícola, mostra o estudo da Unicamp.
A maior diferença entre os dados oficiais e os reprocessados é entre as crianças com menos de 10 anos de idade que moram em áreas rurais: 108 mil contra 294 mil do IBGE. A tendência se repete nas outras faixas etárias, resultando que, na verdade, de cada 3 crianças de áreas rurais designadas como trabalhadoras pelo IBGE, apenas 1 se enquadraria nessa definição se fossem usados os parâmetros pelo Pnad até 92.
As outras duas crianças, ressalta Graziano, gastam menos de 15 horas semanais (cerca de duas horas/dia) com atividades familiares sem remuneração.
O segmento menos afetado pelo reprocessamento dos dados, entretanto, é um que é ignorado pelo IBGE na divulgação dos dados de trabalho infantil - 14 a 15 anos. A legislação proíbe o trabalho, salvo em condições excepcionais, para crianças com menos de 16 anos, mas os dados da Pnad se limitam às crianças até 14 anos.
Na faixa de 14 a 15 anos, a Pnad 98 mostrava 1,770 milhão de trabalhadores mirins, dos quais 972 mil de áreas urbanas e, em 88% dos casos, envolvidos em atividades não-agrícolas. Revistos pelo estudo, esses números caíram para 1,567 milhão no total, dos quais 902 mil morando em cidades.


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