São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

WALTER CENEVIVA

Não matarás


Em Goiás, um habitante montou um artefato ligado à porta da sua casa, que daria dois tiros em uma invasão


EM FORMOSA, Goiás, um cidadão, depois de sofrer mais de um roubo de bens guardados dentro de sua moradia, montou artefato que, ligado à porta de entrada, dispararia dois tiros, se fosse arrombada. Aconteceu que um homem, procurado por vários furtos, arrombou a porta à luz do dia.
Talvez nem tenha ouvido o disparo que o matou. O restante da narrativa é normal: veio a polícia, o construtor do artefato contou que o havia armado dentro da casa, após vários roubos.O delegado abriu o competente inquérito e, formalizados os atos necessários, liberou o criador da armadilha.
Sabedores dessa história, aqui resumida, juristas discutiram pontos da questão. Houve crime do dono do domicílio invadido? Foi caso de prisão em flagrante? Ou não houve crime, apesar do art. 121 do Código Penal enunciar: "Matar alguém. Pena: reclusão de 6 a 20 anos".
O código tem alternativas para agravantes e atenuantes. Reconhece até a atuação culposa quando o autor do delito não teve intenção de matar, isso mesmo sem falar na legítima defesa.
Acompanho os estudos do direito penal e processual penal a distância. Sei apenas o suficiente para contar ao leitor que os criminalistas distinguem o homicídio em várias espécies, desde a mais simples, na qual um ser humano mata outro, por ação isolada ou omissão.
Há também o homicídio em que, gerado por valores imperiosos de natureza moral, sob violenta emoção do autor, a culpa se atenua. Ou, no outro extremo, crimes por motivo torpe ou fútil, a pagamento, à traição que agravam a culpa.
Há longos estudos a respeito. O resumo do salseiro da lei parece suficiente para permitir ao leitor a pergunta: no caso de Formosa, o dono da casa praticou crime ao armar o disparo mortal ou sua ação é legitimada pelas circunstâncias? Passo a opinar para permitir o cotejo das diversas alternativas.
Matar alguém é crime. Mais que isso, é ofensa à lei de Deus (para quem crê), como se vê nos mandamentos recebidos por Moisés. Não se pode, porém, afastar a inviolabilidade do lar, ante a força de sua garantia constitucional. Cada cidadão tem direito e dever de zelar por sua família e seu patrimônio e de reagir contra quem os ofenda.
Mudando de ângulo, o art. 5º da Constituição assegura a cada um de nós a proteção de nossa casa contra violações, até mesmo por servidores do Estado, policiais ou não, salvo se tiverem autorização judicial.
Consideremos mais que o poder público tem o dever de garantir a todos os cidadãos, tanto o rico quanto o pobre, a segurança física e psicológica, pessoal, familiar, sobretudo no lar. Aquele que se defende, porque a ordem pública não é preservada pelos agentes da administração e arma uma forma de disparo para atingir o eventual invasor de sua casa, comete crime?
Minha resposta tende a desculpar o cidadão de Formosa. Para tanto, será necessário, porém, que tenha, mais de uma vez, formalizado queixa à polícia, relatando os ataques e danos sofridos.
Assim, poderá confirmar a vigorosa reação que adotou para defender seu direito apesar do risco. Se não tomou essa atitude, errou.
As circunstâncias atenuantes deverão ser consideradas, mas a pena, em grau menos elevado, parecerá digna de aplicação. E você leitor, o que acha?


Texto Anterior: Após sufoco, Congonhas amplia área de embarque
Próximo Texto: Livros jurídicos
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.