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INCULTA & BELA
Isto é incrível!
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Muita gente confunde
"compreensivo" com "compreensível": "Não tenha medo
de dizer isso a ele. Ele é muito
compreensível".
Está certo isso? Quem tem a
capacidade de compreender é
compreensivo. "Compreensível" é aquilo (ou aquele) que
pode ser compreendido. Pessoa compreensível pode ser
compreendida, isto é, pode-se
compreender seu caráter, sua
personalidade.
A terminação "-vel" indica
"a possibilidade de ser alvo da
ação de". Texto legível é o que
pode ser lido; idéia discutível
é a que pode ser discutida;
som inefável é o que não pode
ser expresso por palavras.
É célebre o caso do ex-ministro Magri: "Só o presidente
é imexível". Duplo erro. Primeiro, porque o presidente foi
"mexido". Depois, no uso da
palavra "imexível".
E o que há de errado em
"imexível"? Será o processo de
formação da palavra? Não.
Tecnicamente, a palavra é
boa. Magri usou o mais elementar dos processos linguísticos, o da associação, o da
transferência. Se de negociar
se faz inegociável, de discutir
se faz indiscutível e de tocar se
faz intocável, de mexer só se
pode fazer "imexível".
Magri só esbarrou num ponto: a palavra não está registrada nos dicionários, ou seja,
não está documentada. E, em
língua, é importante a estatística, o número de ocorrências.
Magri certamente foi vítima
de preconceito. O que se satirizou, na época, não foi o deslize linguístico, mas a condição social e política dele.
Quando o ministro FHC disse que "a inflação de 30% ao
mês é inconvivível", quando o
secretário da Segurança Pública de São Paulo disse que
"a PM é incomandável",
quando o presidente FHC disse que "a globalização cria
pessoas inempregáveis", ninguém disse uma palavra.
Nenhum dicionário registra
nenhuma das três palavras,
tecnicamente boas, mas não
documentadas.
Agora vamos ao outro lado
da questão. Algumas dessas
palavras terminadas em "vel"
têm registro, são conhecidas e
usadas, mas mesmo assim
causam surpresa.
Foi o que ocorreu no último
domingo, na Folha. Em matéria que tratava da venda do
Banco Noroeste, apareceu o
seguinte título: "Versão de diretor é incrível".
Qual o sentido corrente da
palavra "incrível"? "Mágico,
surpreendente, excêntrico,
singular, único, excepcional,
fantástico, maravilhoso."
Mas o sentido que a palavra
tem no título é o literal. Incrível é simplesmente aquilo em
que não se pode crer, ou seja,
o contrário de crível, que é
aquilo em que se pode crer.
Não se pode crer na versão
desse diretor. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail:inculta@uol.com.br
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