São Paulo, quinta, 23 de julho de 1998

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INCULTA & BELA
Isto é incrível!

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha


Muita gente confunde "compreensivo" com "compreensível": "Não tenha medo de dizer isso a ele. Ele é muito compreensível".
Está certo isso? Quem tem a capacidade de compreender é compreensivo. "Compreensível" é aquilo (ou aquele) que pode ser compreendido. Pessoa compreensível pode ser compreendida, isto é, pode-se compreender seu caráter, sua personalidade.
A terminação "-vel" indica "a possibilidade de ser alvo da ação de". Texto legível é o que pode ser lido; idéia discutível é a que pode ser discutida; som inefável é o que não pode ser expresso por palavras.
É célebre o caso do ex-ministro Magri: "Só o presidente é imexível". Duplo erro. Primeiro, porque o presidente foi "mexido". Depois, no uso da palavra "imexível".
E o que há de errado em "imexível"? Será o processo de formação da palavra? Não. Tecnicamente, a palavra é boa. Magri usou o mais elementar dos processos linguísticos, o da associação, o da transferência. Se de negociar se faz inegociável, de discutir se faz indiscutível e de tocar se faz intocável, de mexer só se pode fazer "imexível".
Magri só esbarrou num ponto: a palavra não está registrada nos dicionários, ou seja, não está documentada. E, em língua, é importante a estatística, o número de ocorrências.
Magri certamente foi vítima de preconceito. O que se satirizou, na época, não foi o deslize linguístico, mas a condição social e política dele.
Quando o ministro FHC disse que "a inflação de 30% ao mês é inconvivível", quando o secretário da Segurança Pública de São Paulo disse que "a PM é incomandável", quando o presidente FHC disse que "a globalização cria pessoas inempregáveis", ninguém disse uma palavra.
Nenhum dicionário registra nenhuma das três palavras, tecnicamente boas, mas não documentadas.
Agora vamos ao outro lado da questão. Algumas dessas palavras terminadas em "vel" têm registro, são conhecidas e usadas, mas mesmo assim causam surpresa.
Foi o que ocorreu no último domingo, na Folha. Em matéria que tratava da venda do Banco Noroeste, apareceu o seguinte título: "Versão de diretor é incrível".
Qual o sentido corrente da palavra "incrível"? "Mágico, surpreendente, excêntrico, singular, único, excepcional, fantástico, maravilhoso."
Mas o sentido que a palavra tem no título é o literal. Incrível é simplesmente aquilo em que não se pode crer, ou seja, o contrário de crível, que é aquilo em que se pode crer. Não se pode crer na versão desse diretor. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

E-mail:inculta@uol.com.br



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