São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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RACISMO CORDIAL 2
Legislação brasileira é inspirada na de países com experiência de segregação; insultos são ignorados
Lei é ineficaz contra racismo velado do país


da Reportagem Local

Embora seja o instrumento legal mais importante contra o racismo no país, a Lei Caó é de difícil aplicação para o tipo de racismo existente no Brasil, na avaliação de serviços de atendimento a vítimas de racismo contra o negro consultados pela Folha.
A lei considera crime atitudes que impeçam, criem obstáculos ou neguem acesso a determinados ambientes, serviços e cargos, por motivação racial.
Esse enfoque vem das legislações anti-racismo dos Estados Unidos e da África do Sul, nas quais o legislador brasileiro se inspirou.
"Lá, as atitudes são, ou eram, abertamente racistas. Em muitos lugares, se impedia o negro de frequentar ambientes exclusivos dos brancos", afirma o advogado Diógenes Floriano dos Santos Júnior, que acompanha denúncias no SOS Racismo-Geledés de São Paulo, o mais antigo serviço do gênero, implantado há seis anos.
"O problema é que o nosso racismo tem outro perfil. Aqui, é mais velado. Pedem boa aparência para o candidato a um emprego, quando querem dizer branco. Isso não está previsto na lei", diz.
Carlos Moura, secretário-executivo do GTI, concorda. "A lei fala da prática de racismo, a prática de maneira explícita."
A imperfeição da lei criou uma distorção, porque deixou descoberta uma das práticas racistas mais comuns, na opinião de quem atende as vítimas de racismo: o xingamento preconceituoso.

Insultos

"A lei não considera racismo o fato de alguém chamar um negro de macaco, urubu, entre outros insultos. E o delegado registra a queixa como injúria", diz Castro.
Isso cria um empecilho básico. A injúria é um crime privado. Só vai a julgamento se a vítima tiver um advogado particular que leve o caso adiante. No crime de racismo, a função é do promotor de Justiça.
No ano passado, a lei 9.459, do deputado Paulo Paim (PT-RS) reduziu a distorção, ao criar a motivação racial para a injúria.
"Isso é melhor do que o que tínhamos antes, mas ainda é uma forma de escamotear o racismo", diz Sueli Carneiro, do Geledés.
Segundo o coordenador da pastoral de Direitos Humanos da Cúria de São Paulo, Jairo Fonseca, outro complicador para o andamento das denúncias de racismo contra negros é que "a maioria das vítimas é pobre e não tem como contratar um bom advogado."
O diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ivair Augusto Alves dos Santos, disse que outro empecilho para o andamento dos casos de racismo é a falta de delegacias especializadas no assunto. (RODRIGO VERGARA e ANDRÉ LOZANO)



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