|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MISÉRIA
Moradora da zona sul de São Paulo pede comida em bairro carente e leva crianças, porque "elas ganham mais coisa"
"Só pobre ajuda pobre", diz mãe de 4 filhos
LALO DE ALMEIDA
REPÓRTER FOTOGRÁFICO
"Só pobre ajuda pobre. Rico bate a porta na nossa cara porque
acha que a gente é trombadinha",
diz a desempregada Maria Inácia
de Moraes, 29, mãe de quatro filhos, enquanto pede comida nas
casas da Vila São José, bairro de
baixa renda, na zona sul de SP.
Uma vez a cada dez dias, ela e a
vizinha Zinailda Sales dos Santos
saem do Jardim São Norberto,
uma ocupação de 10 mil famílias
no extremo sul da cidade, para
mendigar alimentos em bairros
operários da região.
Cada uma leva dois filhos porque, dizem, "criança ganha mais
coisa". A viagem de ônibus sai de
graça -todos passam por baixo
da catraca.
Além disso, duas vezes por mês,
as duas vizinhas passam a noite
nos arredores da avenida Santo
Amaro, pedindo restos de gordura bovina em churrascarias de região. "Engrossa o caldo do feijão,
mas não pode dar muito, porque
pode fazer mal para as crianças",
afirma Zinailda, que muitas vezes
não tem nem arroz para dar aos
filhos pequenos.
As duas trabalhavam como faxineiras, mas o serviço "anda
pouco", como disse Maria Inácia,
grávida de quatro meses.
Vergonha
"Você está vendo? Tem gente
muito pior do que eu. Tenho vergonha de pedir cesta do governo",
afirma a aposentada Umbelina
Pires de Camargo, 66, que sustenta os netos, Gleice Kelly, 5, e Cristian, 7, e ainda ajuda as vizinhas.
No dia em que a Folha foi à casa
de Umbelina, ela havia dado aos
netos arroz e um ovo de codorna,
cozidos em um fogão de carvão
por falta de dinheiro para o gás.
"Pior é quem não tem pensão, eu
ainda tenho", diz ela, que divide
com os netos o leite do governo.
Para ter uma idéia da pobreza
da região do Grajaú, onde fica o
Jardim São Norberto, o distrito foi
o recordista de demanda e de inscrições para o Renda Mínima da
Prefeitura de São Paulo.
Um cruzamento de dados sociais feito para a elaboração do
Renda Mínima resultou numa espécie de "ranking" dos distritos
mais pobres da capital paulista:
Capão Redondo, Lajeado, Brasilândia, Grajaú, Cidade Tiradentes, Anhanguera, Jardim Ângela,
Iguatemi, Campo Limpo e Parelheiros.
O fato é que essa rede de solidariedade, movida basicamente pelos pobres, chega a ser impressionante. Neste ano, 2.252 famílias
que recebiam cestas básicas do
governo abriram mão do benefício depois que o dono da casa
conseguiu emprego.
"Na periferia, as pessoas têm
acesso à casa dos vizinhos e se conhecem pelo nome", observa Sônia Regina Pereira, da Pastoral da
Criança na região da favela do Rebouças, na divisa entre a Vila Sônia e o Morumbi, um dos bairros
mais ricos da cidade.
"O pobre divide com o pobre.
Aqui [no Morumbi" os pedintes
não são atendidos no interfone",
afirma Sônia.
Maria de Lurdes dos Anjos Pereira, 37, líder comunitária do Jardim São Norberto, passa boa parte do seu tempo pedindo alimentos para dar aos 150 alunos que fazem reforço escolar na associação
de moradores. "Nunca fico sem
nada", diz ela. No dia em que a
Folha esteve lá, foram servidos
café, chá, leite e torrada.
Ela diz que "com fé em Deus"
vai conseguir servir pelo menos
sopa. O centro está na fila de espera do programa de distribuição de
alimentos do Sesc, o Mesa São
Paulo, mas o problema é que o
bairro é muito distante. Fica a cerca de 60 quilômetros da praça da
Sé (região central de São Paulo).
Colaborou GABRIELA ATHIAS
Texto Anterior: Família contou com ajuda de italianos Próximo Texto: Programas querem unir doação e cidadania Índice
|