São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001

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MISÉRIA

Moradora da zona sul de São Paulo pede comida em bairro carente e leva crianças, porque "elas ganham mais coisa"

"Só pobre ajuda pobre", diz mãe de 4 filhos

LALO DE ALMEIDA
REPÓRTER FOTOGRÁFICO

"Só pobre ajuda pobre. Rico bate a porta na nossa cara porque acha que a gente é trombadinha", diz a desempregada Maria Inácia de Moraes, 29, mãe de quatro filhos, enquanto pede comida nas casas da Vila São José, bairro de baixa renda, na zona sul de SP.
Uma vez a cada dez dias, ela e a vizinha Zinailda Sales dos Santos saem do Jardim São Norberto, uma ocupação de 10 mil famílias no extremo sul da cidade, para mendigar alimentos em bairros operários da região.
Cada uma leva dois filhos porque, dizem, "criança ganha mais coisa". A viagem de ônibus sai de graça -todos passam por baixo da catraca.
Além disso, duas vezes por mês, as duas vizinhas passam a noite nos arredores da avenida Santo Amaro, pedindo restos de gordura bovina em churrascarias de região. "Engrossa o caldo do feijão, mas não pode dar muito, porque pode fazer mal para as crianças", afirma Zinailda, que muitas vezes não tem nem arroz para dar aos filhos pequenos.
As duas trabalhavam como faxineiras, mas o serviço "anda pouco", como disse Maria Inácia, grávida de quatro meses.

Vergonha
"Você está vendo? Tem gente muito pior do que eu. Tenho vergonha de pedir cesta do governo", afirma a aposentada Umbelina Pires de Camargo, 66, que sustenta os netos, Gleice Kelly, 5, e Cristian, 7, e ainda ajuda as vizinhas.
No dia em que a Folha foi à casa de Umbelina, ela havia dado aos netos arroz e um ovo de codorna, cozidos em um fogão de carvão por falta de dinheiro para o gás. "Pior é quem não tem pensão, eu ainda tenho", diz ela, que divide com os netos o leite do governo.
Para ter uma idéia da pobreza da região do Grajaú, onde fica o Jardim São Norberto, o distrito foi o recordista de demanda e de inscrições para o Renda Mínima da Prefeitura de São Paulo.
Um cruzamento de dados sociais feito para a elaboração do Renda Mínima resultou numa espécie de "ranking" dos distritos mais pobres da capital paulista: Capão Redondo, Lajeado, Brasilândia, Grajaú, Cidade Tiradentes, Anhanguera, Jardim Ângela, Iguatemi, Campo Limpo e Parelheiros.
O fato é que essa rede de solidariedade, movida basicamente pelos pobres, chega a ser impressionante. Neste ano, 2.252 famílias que recebiam cestas básicas do governo abriram mão do benefício depois que o dono da casa conseguiu emprego.
"Na periferia, as pessoas têm acesso à casa dos vizinhos e se conhecem pelo nome", observa Sônia Regina Pereira, da Pastoral da Criança na região da favela do Rebouças, na divisa entre a Vila Sônia e o Morumbi, um dos bairros mais ricos da cidade.
"O pobre divide com o pobre. Aqui [no Morumbi" os pedintes não são atendidos no interfone", afirma Sônia.
Maria de Lurdes dos Anjos Pereira, 37, líder comunitária do Jardim São Norberto, passa boa parte do seu tempo pedindo alimentos para dar aos 150 alunos que fazem reforço escolar na associação de moradores. "Nunca fico sem nada", diz ela. No dia em que a Folha esteve lá, foram servidos café, chá, leite e torrada.
Ela diz que "com fé em Deus" vai conseguir servir pelo menos sopa. O centro está na fila de espera do programa de distribuição de alimentos do Sesc, o Mesa São Paulo, mas o problema é que o bairro é muito distante. Fica a cerca de 60 quilômetros da praça da Sé (região central de São Paulo).


Colaborou GABRIELA ATHIAS



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