|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ASSISTÊNCIA
Crianças desmaiavam por terem ficado sem comer
Escolas do RJ distribuem merenda também nos finais de semana
DANIELA MENDES
DA SUCURSAL DO RIO
A fome está obrigando escolas
de Magé, região metropolitana do
Rio, a abrir as portas também nos
finais de semana. A medida é para
garantir a refeição de crianças que
não têm o que comer em casa nos
dias sem aula.
A prefeitura tomou a decisão
depois que os professores notaram que, às segundas-feiras, muitas crianças desmaiavam e passavam mal na escola -haviam passado o final de semana sem comer
nada. Nesse município de 350 mil
habitantes, a 60 km do Rio, uma
em cada quatro crianças tem fome. Segundo dados da prefeitura,
23% da população do município
vive abaixo da linha da pobreza.
Muitas vezes a única refeição do
dia dos alunos matriculados na
rede municipal de ensino é a merenda. "Não foi difícil saber o que
estava acontecendo [nas segundas-feiras". Logo vimos que eles
desmaiavam por fome, não comiam nada no final de semana",
disse a subsecretária da Educação, Ana Luzia Santa Rita.
Na tentativa de minimizar o
problema, a Prefeitura de Magé
lançou ontem o PAC (Programa
de Alimentação Continuada), que
vai atender a 62 escolas municipais e a 23 mil alunos.
"Além da merenda aos sábados,
vamos ter atividades recreativas,
socioeducativas. Alimentar essas
crianças não só com comida, mas
com cultura", disse a secretária da
Educação, Ângela Lomeu.
Nair Martins Gaiofato, diretora
da escola Prefeito Magi de Repani, em um dos bairros mais carentes da região, disse que ficou surpresa com a procura de alunos
quando a escola foi inaugurada,
em fevereiro. "Não esperávamos
nem cem crianças, hoje temos 318
matriculados da pré-escola até a
terceira série. Muitos deles em
busca de comida." Segundo a diretora, os pais geralmente fazem
biscates no Rio ou nas cidades vizinhas e, em alguns casos, deixam
os filhos sozinhos durante toda a
semana. "Eles comem e repetem.
Sempre falam "tia, quero mais"."
Crislaine Teixeira da Silva, 7,
cursa a primeira série na escola
Comendador Délio Pereira Sampaio. Ela já passou mal na escola,
de fome. A merenda é sua única
refeição no dia. Ela não gosta de
falar sobre sua casa, onde mora
com a mãe desempregada e um
irmão de três anos. Lá ela não tem
brinquedos nem fogão nem TV.
A família vive da doação de alimentos promovida pela diretora
da escola, que se chocou com a
realidade da família quando foi levar em casa a criança adoentada.
Mas Crislaine já sabe ler e escrever. Questionada sobre o que
mais gosta de fazer, disse, sem hesitar: "Gosto do meu nome e do a,
e, i, o, u", disse, rascunhando as
vogais num bloco de anotações.
Graciele Cabral Lourenço, 10, é
a mais velha de seis irmãos. A única que estuda. "Quando tem almoço, sou eu que faço. Sou muito
boa no arroz", afirma Graciele. O
pai, Álvaro Lourenço, 33, é pescador, e a mãe trabalha em um armazém. A renda da família é de
R$ 8 por dia, "quando tem peixe".
Ele, que chegava a pescar 15 quilos de camarão antes do derramamento de óleo da Petrobras na
baía de Guanabara, em 2000, hoje
comemora quando pesca um quilo. "Está muito difícil. Depois que
derramou o óleo, o peixe ficou
fraco. Tem dia que a gente passa
raspando da fome", disse Lourenço. O acidente ecológico colocou
em situação de fome grande parte
da comunidade local que depende da pesca para sobreviver.
Esperança Ladislau, 24, divide o
barraco de um cômodo com o
marido, o pai e os quatro filhos
-Jonathan, dois meses, Cristian,
6, Suelem, 4, e Diogo, 8. Ela abandonou a casa em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para
viver no interior. "Achei que aqui
as coisas iam ser mais fáceis. Agora, aqui, elas ficam com fome."
Texto Anterior: "Há um problema sério de nutrição" Próximo Texto: Cidade pioneira atende não só alunos Índice
|