São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001

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ASSISTÊNCIA

Crianças desmaiavam por terem ficado sem comer

Escolas do RJ distribuem merenda também nos finais de semana

DANIELA MENDES
DA SUCURSAL DO RIO

A fome está obrigando escolas de Magé, região metropolitana do Rio, a abrir as portas também nos finais de semana. A medida é para garantir a refeição de crianças que não têm o que comer em casa nos dias sem aula.
A prefeitura tomou a decisão depois que os professores notaram que, às segundas-feiras, muitas crianças desmaiavam e passavam mal na escola -haviam passado o final de semana sem comer nada. Nesse município de 350 mil habitantes, a 60 km do Rio, uma em cada quatro crianças tem fome. Segundo dados da prefeitura, 23% da população do município vive abaixo da linha da pobreza.
Muitas vezes a única refeição do dia dos alunos matriculados na rede municipal de ensino é a merenda. "Não foi difícil saber o que estava acontecendo [nas segundas-feiras". Logo vimos que eles desmaiavam por fome, não comiam nada no final de semana", disse a subsecretária da Educação, Ana Luzia Santa Rita.
Na tentativa de minimizar o problema, a Prefeitura de Magé lançou ontem o PAC (Programa de Alimentação Continuada), que vai atender a 62 escolas municipais e a 23 mil alunos.
"Além da merenda aos sábados, vamos ter atividades recreativas, socioeducativas. Alimentar essas crianças não só com comida, mas com cultura", disse a secretária da Educação, Ângela Lomeu.
Nair Martins Gaiofato, diretora da escola Prefeito Magi de Repani, em um dos bairros mais carentes da região, disse que ficou surpresa com a procura de alunos quando a escola foi inaugurada, em fevereiro. "Não esperávamos nem cem crianças, hoje temos 318 matriculados da pré-escola até a terceira série. Muitos deles em busca de comida." Segundo a diretora, os pais geralmente fazem biscates no Rio ou nas cidades vizinhas e, em alguns casos, deixam os filhos sozinhos durante toda a semana. "Eles comem e repetem. Sempre falam "tia, quero mais"."
Crislaine Teixeira da Silva, 7, cursa a primeira série na escola Comendador Délio Pereira Sampaio. Ela já passou mal na escola, de fome. A merenda é sua única refeição no dia. Ela não gosta de falar sobre sua casa, onde mora com a mãe desempregada e um irmão de três anos. Lá ela não tem brinquedos nem fogão nem TV.
A família vive da doação de alimentos promovida pela diretora da escola, que se chocou com a realidade da família quando foi levar em casa a criança adoentada.
Mas Crislaine já sabe ler e escrever. Questionada sobre o que mais gosta de fazer, disse, sem hesitar: "Gosto do meu nome e do a, e, i, o, u", disse, rascunhando as vogais num bloco de anotações.
Graciele Cabral Lourenço, 10, é a mais velha de seis irmãos. A única que estuda. "Quando tem almoço, sou eu que faço. Sou muito boa no arroz", afirma Graciele. O pai, Álvaro Lourenço, 33, é pescador, e a mãe trabalha em um armazém. A renda da família é de R$ 8 por dia, "quando tem peixe".
Ele, que chegava a pescar 15 quilos de camarão antes do derramamento de óleo da Petrobras na baía de Guanabara, em 2000, hoje comemora quando pesca um quilo. "Está muito difícil. Depois que derramou o óleo, o peixe ficou fraco. Tem dia que a gente passa raspando da fome", disse Lourenço. O acidente ecológico colocou em situação de fome grande parte da comunidade local que depende da pesca para sobreviver.
Esperança Ladislau, 24, divide o barraco de um cômodo com o marido, o pai e os quatro filhos -Jonathan, dois meses, Cristian, 6, Suelem, 4, e Diogo, 8. Ela abandonou a casa em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para viver no interior. "Achei que aqui as coisas iam ser mais fáceis. Agora, aqui, elas ficam com fome."



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