São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2006

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Polícia investiga morte em autódromo

Administrador de empresas morreu durante curso de direção defensiva para motociclistas em Interlagos; não havia médico no local

Aula era dada por empresa privada, que locava espaço na zona sul de São Paulo; pelo contrato, deveria haver uma ambulância com UTI

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

A polícia investiga a morte de um administrador de empresas que sofreu um acidente em julho deste ano dentro do autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo, quando participava de um curso de direção defensiva para motociclistas, ao lado de seu filho de 15 anos.
Relatos de testemunhas que participaram do socorro de Carlos Eduardo Pelosi Giraldes, 46, indicam falhas e irregularidades no atendimento da vítima, que expuseram as deficiências e fragilidades no controle das aulas que são dadas por empresas privadas, com autorização do município, dentro da pista de corrida mais famosa do Brasil e que vai receber a F-1 no mês que vem.
Nos 66 anos de história de Interlagos, segundo a SPTuris (empresa municipal responsável pela pista), não houve até hoje mais de cinco mortes por acidentes no autódromo -os casos anteriores relatados se deram em eventos esportivos.
Entre os problemas no atendimento de Giraldes estava a falta de uma ambulância com UTI e de um médico ou enfermeiro de plantão na aula em que ele se acidentou, segundo confirmação dada à Folha pelo Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem) e por dois profissionais que levaram a vítima ao hospital, onde ela morreu depois de quatro dias.
A obrigatoriedade de haver essa infra-estrutura de socorro constava do contrato de locação do espaço pela prefeitura.
O administrador de empresas acabou socorrido pela ambulância de suporte básico, sem UTI, do motorista Eduardo Amato, 38. A atendente de plantão não era médica nem enfermeira. Ela tem um curso de 48 horas de socorrista.
O diretor de fiscalização do Coren-SP, Claudio Alves Porto, afirma que foram adotados "procedimentos inadequados".
Entre os que são alvos de apuração do órgão está a forma de retirada do capacete da vítima e a sua locomoção sem um colar cervical -algo que poderia ter agravado seu estado.
"A gente sabe que houve falhas graves. A ambulância não estava equipada nem tripulada da forma adequada. Há fortes indícios de negligência", afirma Porto. "Não dá para dizer que, se estivesse tudo correto, ele iria sobreviver. Mas as chances sempre aumentam", diz ele, cuja entidade vai relatar a situação à Promotoria e pretende mover ações para responsabilizar a escola e a prefeitura.
O presidente da SPTuris, Caio Luiz de Carvalho, diz que a escola de pilotagem Século 21, responsável pelo curso, já foi proibida de dar as aulas até a conclusão do inquérito policial.
Afirma, porém, que a responsabilidade cabe somente à empresa privada. "É um contrato de locação do espaço e que tinha exigências. Se algo não foi atendido, a responsabilidade legal é da escola", diz ele.

Curva
Giraldes era fã de motos e entrou no curso para acompanhar seu filho. A mãe do adolescente, ex-mulher da vítima, é parente do presidente da Federação Paulista de Motociclismo.
O acidente ocorreu enquanto ele dava voltas sozinho na pista. A queda foi em uma curva onde se anda a, no máximo, 50 km/h.
As falhas no atendimento começaram a ser levantadas por uma irmã da vítima, a enfermeira Lucia Helena Giraldes, 33, que questiona ainda a qualidade da moto alugada no local.
Para ela, a prefeitura não poderia permitir a utilização de um espaço público sem fiscalizá-lo de maneira rigorosa.
O ex-piloto Chico Rosa, que hoje é gerente de Interlagos, diz haver dificuldades para fiscalizar as escolas que alugam a área para dar cursos. No total, havia três para as aulas com motos.
"Nós fazemos as exigências [de estrutura atendimento médico]. Por safadeza ou por falta de dinheiro, há negligência de algumas. A gente checa até onde dá para checar. Mas nada impede que um médico esteja lá quando a gente aparece e vá embora minutos depois", diz.
Rosa, freqüentador do autódromo desde 1958 e dirigente do local desde os anos 70, vê, porém, a morte de Giraldes como fatalidade. "Poderia ter sido lá ou na avenida São João."


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