São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CECILIA GIANNETTI

Direita, esquerda - cada um no seu quadrado


Inúmeras vezes já me escapou das mãos uma broa ou quase voou o café por conta da gritaria do ex-general

NÃO É DE POLÍTICA que vou tratar, mas de direção, sentido e educação. Tá certo, há no meio disso um político: Sérgio Cabral, que deseja que o carioca passe a priorizar bicicletas para se locomover pela cidade, que, em sua fantasia, será toda retomada por ciclovias e sinalização apropriada. Pensa que o Rio de Janeiro é Berlim e que o carioca é berlinense.
Falo do melhor modelo de ciclista que conheci, não do modelo que encantou o governador (Paris). O berlinense, seja imigrante ou nascido na cidade, vai ao trabalho de bicicleta, e -uau!- retorna montado nela -não há oportunidade para ter levados seus pertences ou a própria bicicleta, ainda que pare religiosamente diante de cada sinal destinado a ele em uma completíssima rede de ciclovias. Tais ciclistas ainda têm a manha de pedalar bêbados ou portando garrafas de cerveja abertas (lá esse negócio de cerveja é moda) sem causar acidentes, e o fazem sem aloprar o trânsito -que envolve, além de outros ciclistas, pedestres, carros e um sem-número de taxistas turcos, romenos e até alemães.
Claro, meu tema saiu de algum lugar: "Que se exploda o berlinense!", berrava -pois só fala aos decibéis-, redundante como a história, um vizinho militar reformado -12 metros abaixo de minha janela, ele debate a eficiência das ciclovias em Berlim versus a sua viabilidade no Rio, no maldito bar colado ao prédio, cujo vozerio cresce como um eco perturbador até meu apartamento. "Mesmo que se ponha aqui a mais completa rede de ciclovias, que se garanta segurança, o Rio de Janeiro precisa de pelo menos uns dois bombardeios para o carioca aprender que diabos é direita e que diabos é esquerda!"
O ex-general, ou qual seja a patente, palestrava aos milicianos do copo não sobre o PSDB e o PT ou coisa parecida, mas sobre problema que de fato acontece -nas calçadas "fiapas" (convenhamos: boa parte delas, em ruas como a do Flamengo e Catete, por exemplo, equivale ao espaço entre um dente e outro), nos corredores de supermercados e shopping centers, nas entradas e saídas de quaisquer estabelecimentos e, é claro, nos poucos espaços onde há ciclovias para a população passear.
Nisso eu e o ex-milico concordamos: numa calçada estreita, para evitar o caos, deve-se caminhar em fila indiana os que vêm e os que vão; se você não estiver andando para trás, deverá sempre caminhar à sua direita. Certo?
Mas não se faz isso, o básico, nas calçadinhas, tampouco nas ciclovias. Vem pedestre na faixa errada, ciclista voa para cima de corredor quando deveria se manter à direita etc. O maior problema não é, portanto, só construir ciclovias. Mas antes educar a turma a caminhar nas calçadas, a respeitar semáforos como os crentes temem a Deus e, então, a, diabos, pedalar na faixa certa. Cada um no seu quadrado.

 

Inúmeras vezes já me escapou das mãos uma broa ou quase voou uma xícara de café quente janela afora -minha mesinha fica próxima à janela, questão estratégica de "bird watching"-, por conta da gritaria do ex-general. No dia em que ele propôs a reeducação do povo através de bombas, sorte é que eu tinha comigo só uma maçã.
Aliás, dúvida: se uma maçã caísse de mãos trêmulas e atingisse a cabeça de um político numa rua abaixo de janela qualquer, teria ocorrido a ele alguma idéia genial como a de Newton? Respostas à Redação. Ou melhor, não: ao e-mail do candidato em que o (e)leitor planeja votar.


Texto Anterior: Região de chacina virou rota de contrabando
Próximo Texto: Consumo: Leitora se queixa de atraso em entrega e de atendimento
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.