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SOCIEDADE
No Brasil, as uniões entre pessoas do mesmo grupo de cor ou raça correspondem a 77,4% das relações conjugais
Casamento reflete discriminação racial
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Num Brasil de história marcada
pela miscigenação, o amor ainda
se guia pelas diferenças de tom de
pele: três em cada quatro casamentos do país acontecem entre
pessoas de mesma raça ou cor.
Brancos casam mais com brancos, negros com negros e pardos
com pardos -a taxa média no
Brasil é de 77,4% de uniões endogâmicas (entre pessoas do mesmo
grupo de cor ou raça).
É o que conclui uma pesquisa
realizada pelo cientista social José
Luis Petruccelli, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com base em dados das
Pnads (Pesquisas Nacionais por
Amostra de Domicílios) e que usa
a terminologia do instituto para
as classificações de raça/cor.
Para o pesquisador, essas relações conjugais refletem o tipo de
relação racial existente no país: a
discriminação velada ou explícita
sofrida pelos negros e mestiços.
"Esse altíssimo nível de endogamia mostra que as barreiras raciais persistem. A sociedade brasileira ainda é altamente racista."
O mais surpreendente é que, segundo o pesquisador, a composição da população brasileira
-com 54% de brancos, 39,5% de
pardos, 5,7% de negros e 0,8% de
"outros", medida pelo IBGE em
1998- aponta para um nível de
endogamia muito menor, de apenas 47%. A realidade (77,4%) é
quase o dobro disso.
"O número de 39,5% de pardos
resulta de alguns fatores, entre
eles cinco séculos de colonização
e miscigenação. Além do mais,
negros e pardos estão na faixa de
população com menor renda,
menor escolaridade e maior taxa
de fecundidade. Por fim, a população parda inclui gente muito diferente, de várias descendências."
Os negros apresentam a maior
taxa de casamentos endogâmicos
(84,3%), seguidos por brancos
(75,6%) e pardos (72,4%). Esses
valores já equilibram as diferenças de tamanho dos três grupos,
pois foram ajustados por Petruccelli como se houvesse no país o
mesmo número de brancos, negros e pardos.
"Assim, não é possível dizer que
a endogamia é alta porque há
mais brancos na população. Aqui,
é como se os três grupos fossem
do mesmo tamanho. A endogamia é maior entre os negros porque eles são, de fato, o grupo mais
isolado", afirma.
Em 1987, a taxa média de casamentos endogâmicos na população era de 80,5%. Uma diferença
que Petruccelli considera "insignificante" em relação aos 77,4%
verificados em 1998, porque, segundo ele, numa pesquisa por
amostragem, a redução é insuficiente para indicar qualquer tipo
de tendência.
Casamentos inter-raciais
Minoria estatística de 22,6%, os
casamentos inter-raciais são um
ponto de debate, ora criticados
como forma de ascensão social,
ora aceitos como forma de integração e de aceitação do amor, seja ele de que cor for.
"Esses casamentos aparecem na
novela e na publicidade e até parecem ter aumentado, mas tenho
a impressão de que eles são uma
cortina de fumaça para ocultar
ainda mais o racismo", afirma Petruccelli, que apresentará seu estudo no encontro anual da Anpocs (Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciência Sociais), que acontece esta semana no Rio de Janeiro.
No movimento negro, o casamento inter-racial é encarado
muitas vezes como uma tentativa
de ascensão social e de "branqueamento". Os exemplos mais
citados, de Pelé a Alexandre Pires,
são os de jogadores de futebol e
pagodeiros que namoram mulheres brancas -preferencialmente
loiras, verdadeiras ou não.
"Eu não sou contra o casamento
inter-racial, porque acho que o
amor não tem cor. Só alerto para
o fato de que ele não pode se
transformar numa tentativa de
disfarce e auto-afirmação da raça
negra", afirma Ivanir dos Santos,
do Ceap (Centro de Apoio a Populações Marginalizadas).
"Se os negros só casam com
brancas, até que ponto conseguiram quebrar o racismo dentro deles? Por que não casar com uma
negra? A gente não é contra o casamento com brancos, mas questiona essa lei de casar só com
brancas. Jogador de futebol, por
exemplo, é um pacote, arruma
uma bola e uma loira", afirma a
militante do movimento negro e
vereadora Jurema Batista (PT).
As mulheres negras, mostra a
pesquisa de Petruccelli, são as que
mais encontram dificuldade para
casar, especialmente aquelas com
maior escolaridade.
Entre as mulheres que estudaram mais de oito anos, 50,4% das
negras estão solteiras; a média nacional de solteiras nessa condição
de instrução é de 39,5%.
Entre brancas desse grupo, a taxa de solteiras é de 37,1%, e, entre
pardas, de 44,5%.
"Tenho a impressão de que os
brancos só querem mesmo as
brancas. Então, hoje eu estou preferindo namorar negros", diz a estudante negra Cristiane da Silva.
Desigualdades raciais no Brasil
aparecem também em indicadores sociais: taxa de analfabetismo,
escolaridade, emprego e renda.
A taxa média de analfabetismo
medida pelo IBGE fica em 13,8%.
Entre negros, é de 21,6%, entre
pardos, de 20,7% e, entre brancos,
de 8,4%. No item renda, 12% das
famílias cujos chefes são brancos
vivem com meio salário mínimo
per capita, mas 24,5% das famílias
chefiadas por negros sobrevivem
com essa renda.
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